terça-feira, 6 de novembro de 2012

As Vinhas da Ira (John Steinbeck)

Primeiro vieram os anos de más colheitas, que obrigaram os proprietários das terras a pedir empréstimos para se conseguirem aguentar. Depois, foram os próprios bancos a tomar posse das terras. E eis que, de súbito, os lugares dos trabalhadores são ocupados por máquinas e todos aqueles que, até então, tiveram ali as suas terras, se vêem obrigados a partir, levando apenas os magros recursos que conseguiram reunir para percorrer o longo caminho até ao único sonho possível. Dizem que na Califórnia há muito trabalho. Um pouco por toda a parte, há panfletos que o anunciam. Mas quando todos partem para a longa viagem, deixando tudo para trás em nome da esperança, há uma ideia incómoda que começa a surgir. Será possível que haja trabalho para tantos que se dirigem ao mesmo sítio? Ou há outras razões para que tantos chegam chamados? Como muitos outros, os Joad partem, porque não têm a alternativa. Mas a ideia de um futuro melhor não está tão perto como, por vezes, parece.
Muitas são as razões que fazem deste livro uma obra impressionante. Do estilo de escrita, à complexidade do enredo e à relevância dos temas que aborda, passando pelo retrato duro e preciso de quão difícil pode ser a vida em circunstâncias desesperadas - e do que se está disposto a fazer nessas situações - , As Vinhas da Ira é mais que a história da família Joad. E, se essa história é, por si só, de grande complexidade, mais vasta se torna por reflectir um cenário mais vasto, maior que a simples história dos seus protagonistas.
É notável o equilíbrio conseguido entre a história particular dos Joad e a globalidade que nela se reflecte. O êxodo dos Joad para a Califórnia é um percurso semelhante ao de tantos outros colocados na mesma situação desesperada e as experiências que vivem, desde os momentos mais simples às grandes e inevitáveis mudanças, reflectem também as de muitos outros. Mais que a história de um conjunto de personagens, esta é, no fundo, uma reflexão sobre a condição humana e a sua capacidade de resistência às piores situações. É, também, uma reflexão sobre os interesses que movem o mundo e sobre quanto é, por vezes, sacrificado a esses interesses. A situação dos grandes proprietários, por oposição à multidão de desesperados que procuram trabalho nas mais míseras condições, reflecte bem o conflito entre os mais fortes e os mais fracos, e a forma como os poderosos manipulam a disponibilidade de trabalho para levar os desesperados a aceitar seja o que for, levanta questões que, além de muitíssimo importantes, não podiam ser mais actuais.
Mas este livro não é apenas esse retrato dos problemas globais e há que ter em conta também a individualidade das personagens. Também nesse aspecto a construção do enredo é impressionante. Sendo toda a narrativa uma jornada de dificuldades, o longo percurso permite revelar o melhor e o pior de cada personagem enquanto indivíduo, bem como os laços de união no seio da família. Há a necessidade de persistir e a tentação de ceder ao desespero, os sonhos alimentados mesmo quando se sabe serem uma ilusão, o sacrifício em nome dos elementos mais fracos e a simples generosidade. E a raiva, claro, a tal ira que se torna inevitável quando toda a dignidade foi espezinhada e a alma já não consegue tolerar.
Este é, portanto, um livro complexo a muitos níveis. Não o é, contudo, na escrita, e a forma directa, sem elaborações, narrando os factos tal como eles são acaba por realçar as complexidades da história, deixando aos acontecimentos a capacidade de falar aos sentimentos e de apelar à necessária reflexão. Para isso contribui também a forma como a história se desenrola, não no sentido de um fim definitivo, mas antes como um percurso que continua na imaginação do leitor. Há, ao longo da narrativa, figuras que se afastam, que seguem o seu caminho para nunca mais serem vistos. E, mesmo no fim, há muito que fica em aberto, pois não há conclusões definitivas nem uma reviravolta capaz de mudar os mecanismos do mundo. Assim acontece também na realidade, onde todas as histórias terminam num mesmo ponto, pelo que o final ambíguo - e, contudo, poderoso - não poderia ser mais adequado.
Construída com mestria em todos os seus aspectos, esta é uma obra que une na perfeição o global e o pessoal, a razão e a emoção, para dar forma a uma história intensa e complexa, em que as dificuldades e a sua superação reflectem a verdadeira força do ser humano, mesmo se colocado ante as mais negras condições. Um livro impressionante, que recomendo sem reservas.

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