sábado, 15 de julho de 2017

Café Amargo (Simonetta Agnello Hornby)

Maria é filha de um advogado que, por ser socialista, foi perdendo todos os clientes, apesar da sua competência. E, por isso, sabe que as dificuldades financeiras são um obstáculo considerável ao seu futuro, seja como professora, o seu sonho de sempre, seja como esposa e mãe. Mas um visitante inesperado muda o rumo da sua vida. Pietro Sala é um homem do mundo, culto, com boas ligações, e apaixonou-se por Maria à primeira vista, ao ponto de estar disposto a casar sem dote. E, apesar de todas as reticências, suas e da família, Maria sabe que essa é a melhor solução para os problemas de todos. Aceita - e descobre no marido um homem de encantos secretos, mas também de vícios e vulnerabilidades. E, num país em mudança e em que o papel da mulher na sociedade parece ainda muito limitado, Maria dará por si com o futuro nas mãos... e uma ligação do passado à espera de desabrochar em pleno.
Acompanhando grande parte da vida da protagonista, mas com um enredo que é muito mais vasto do que a sua história pessoal, este é um livro que tem como primeiro de vários pontos fortes o equilíbrio entre o percurso pessoal das personagens e o muito relevante contexto histórico em que se movem. As questões políticas, as mudanças de pensamento e de regras sociais, a guerra e as suas consequências na vida das pessoas são apenas alguns dos aspectos bem presentes ao longo desta história. E isto é um ponto forte precisamente porque, ao desenvolver estes temas ao ritmo da vida das personagens, torna-se mais fácil assimilar o ambiente da época e aprender algo ao mesmo tempo que se acompanha a história principal.
E a história principal é a de Maria. Maria, mulher do seu tempo, mas com uma força que não permite resignações. Maria forte, capaz de fazer frente ao mundo quando assim tem de ser, mas vulnerável quando todas as pressões se voltam contra ela. Maria humana, complexa, falível, fascinante, que aprende tanto com a vida como aqueles que a acompanham. E a sua história é mais que a de um casamento aceite por necessidade. É a história do seu crescimento, da sua evolução ao ritmo do mundo. De sentimentos que, vindos da infância, se transmutaram em algo maior, ao mesmo tempo que o mundo, também ele, mudava. E, claro, de descobertas de todo o tipo - venham elas das crueldades da vida ou dos labirintos do coração.
Tudo isto cativa e até as mais pequenas coisas despertam a curiosidade em saber o que se seguirá. E a forma como a autora constrói a história, equilibrando as medidas certas de tensão, de mistério, romance outros afectos e ainda de esperança, mesmo no seio do desespero, faz com que tudo pareça adquirir o registo certo, o de uma história que cresce e se expande de forma gradual, num ritmo que vai crescendo em intensidade e que culmina num final particularmente marcante.
Vale a pena? Mas claro que vale a pena. Desde o carisma das personagens ao equilíbrio entre os segredos guardados e as grandes revelações, passando ainda pelo contexto delicado que dá a todo este percurso ainda uma nova dimensão, não há nada neste livro que não tenha algo de cativante para oferecer. E, nos momentos de ternura e nos de medo, nos de encanto e nos de desespero - nas pequenas coisas, como nas grandes mudanças de um tempo conturbado - há muito nesta história para guardar na recordação. Vale a pena, sim. Muito, muito mesmo. 

Título: Café Amargo
Autora: Simonetta Agnello Hornby
Origem: Recebido para crítica

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