quarta-feira, 1 de março de 2017

Entrevista a João Reis

Se já me visitam há algum tempo, é provável que já me tenham visto falar sobre a escrita do João Reis - e sabem que sou fã. E, tendo em conta o lançamento mais recente - que, como já devem saber pelo post anterior, adorei - que melhor altura para me estrear com uma entrevista? Aceite o desafio, deixo-vos com as respostas - esperando que gostem de conhecer um pouco melhor o autor.

1. Olá, João. Começo pela pergunta óbvia: como é A Avó e a Neve Russa visto pelos olhos do autor?
Olá, Carla. Para mim, o A Avó e a Neve Russa é um livro que queria realmente escrever, é o desafio de escrever um romance de inocência e de otimismo face à adversidade sem que, com isso, se tape com a peneira as dificuldades da vida como ela é. Guardo-o com ternura e o narrador/ protagonista é a criança que gostaria de ser enquanto adulto. Numa visão do mundo que, todavia, jamais sobrevive ao choque com a realidade. 

2. Este livro foi escrito no decurso de uma residência literária. Como foi essa experiência e em que medida achas que influenciou o teu processo de escrita?
Foi a minha primeira residência literária e, embora não tenha, para já, termo de comparação, adorei a experiência. A estadia de 2 meses em Montreal foi crucial para escrever este livro, tanto pelo tempo que passei afastado das minhas rotinas, quanto pelas vivências que adquiri no Canadá. Como a ação do livro decorre na sua maioria em Montreal, retirei a inspiração das ruas da cidade: as personagens, os sítios, a melancolia, a alegria, o medo da solidão. Além de toda esta envolvência, e apesar de ter também feito algumas traduções nessa minha estadia, creio que a residência também me instigou a terminar o romance dentro do prazo, algo deveras importante tendo em conta a minha agenda. Em suma, sem a residência literária, este livro não teria sido escrito. 

3. Há um contraste neste teu novo livro que é especialmente marcante: entre a inocência do protagonista e a crueldade global da vida. O que te levou a escolher este ponto de vista para contar esta história?
O ponto de vista é essencial para o romance e molda toda a narrativa. Parti do princípio que escreveria sob a perspetiva de uma criança, e que tentaria ao máximo ver o mundo dos adultos - e todas as agruras, crueldade e indiferença que este contém - com os olhos ingénuos de um menino de 10 anos. Embora seja uma opção difícil e até arriscada, uma vez que o escrevi com 30 anos e, portanto, estando já longe da minha infância, pareceu-me necessária para escrever esta história e desenvolvê-la como queria. Nada melhor do que o olhar inocente e por vezes irónico de uma criança para criar o contraste entre o belo e o feio, entre o bom e o mau, entre o sonho e a realidade. 

4. Se tivesses de indicar influências e autores favoritos, quais seriam os teus?
É difícil cingir-me a alguns nomes, mas aponto, em linhas gerais, Knut Hamsun, Louis-Ferdinand Céline, Fiódor Dostoiévski, Nadine Gordimer, Bohumil Hrabal, Saul Bellow, Gabriel Chevallier, Pär Lagerkvist, Patrick White. 

5. Mudemos um pouco de assunto. Além de autor, também és tradutor. De que forma se conjugam para ti essas duas facetas do mundo literário?
Bem, nem sempre é fácil conjugá-las... A tradução ocupa a maior parte do meu tempo, visto ser o meu ganha-pão. Assim, resta-me bem menos tempo para escrever do que aquele que desejaria, pois não consigo escrever enquanto traduzo (vejo-me obrigado a entrar no estilo e no tom do autor que estou a traduzir e não o consigo conjugar com o meu). Esta situação leva-me a aproveitar os poucos dias livres para escrever, ao mesmo tempo que me faço sempre acompanhar por um caderno, no qual anoto as minhas ideias. Algumas perdem-se... Felizmente, sou rápido a escrever assim que a ideia amadurece. 
Por outro lado, a tradução de certos livros é uma mais-valia, na medida em que me encontro mais próximo dos textos e posso daí retirar, ainda que inconscientemente, certas lições. 

6. E como vês o panorama literário nacional, enquanto  autor e enquanto tradutor?
O panorama literário nacional tem um pouco de tudo: bons autores/ autoras, outros que não trazem nada de novo... Creio que as dificuldades para aparecer não se restringem aos autores portugueses, mas também aos autores estrangeiros traduzidos para Português. Aposta-se quase sempre nos mesmos nomes, há pouco espaço para a novidade. A edição portuguesa em geral é bastante conservadora e parte-se do princípio que se é novo, é mau. E não é fácil vender-se livros no nosso país. 
Penso que se lê mais do que se lia, sem dúvida, e que há alguma esperança. Contudo, gostaria de ver um pouco mais de ousadia na edição portuguesa. Os autores e os livros estão aí: resta aos editores dar um passo em frente e não viver no constante «medo» de chocar, de não agradar. A arte é feita de riscos. 

7. Agora que este livro anda à solta por aí, quais são os  teus próximos projectos?
Dado o ritmo de trabalho enquanto tradutor a que estou sujeito, não sei ao certo dizer quando apresentarei um novo livro. Escrevi um romance que submeti ao meu editor, apesar de ter ainda de lhe acrescentar vários capítulos e limar certas arestas. É um romance cuja ação decorre na Primeira Guerra Mundial, sendo narrado por um oficial português que se vê aprisionado num campo para não-oficiais e é posteriormente transferido para uma fábrica de munições. Posso dizer que é um tanto-quanto picaresco e que recorre ao humor negro. Pretendo terminá-lo assim que possível e garantir a sua edição.
Além disso, conto realizar mais algumas residências literárias ainda este ano (tenho uma agendada para 2018). 

8. E termino também com uma pergunta óbvia: o que te inspira?
Ora aí está uma pergunta difícil... Creio que um pouco de tudo: os livros que leio, as observações que faço quando viajo ou caminho pelas ruas, a minha experiência de vida, os filmes que vejo. De um modo sucinto, a vida em geral, conquanto apreendida pelo meu ponto de vista. E, claro, todas estas ideias passam pelo crivo daquilo que na minha opinião deve ser a literatura. 

Resta-me agradecer ao João a paciência e as respostas interessantíssimas, e acrescentar que fico desde já à espera de novos livros para descobrir. Até lá, espero que tenham gostado da entrevista e que descubram também o maravilhoso A Avó e a Neve Russa

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