domingo, 26 de abril de 2015

Xerazade - A Última Noite (Manuela Gonzaga)

Histórias de uma viagem por mil vidas diferentes e de um reencontro de amor em mil histórias repetidas. Histórias contadas numa história só, a de uma mulher que embala o seu amante com as suas divagações por entre o mundo, para lhe tornar mais fácil a aceitação de um inevitável à espera de acontecer. De histórias de faz, pois, esta história, em que uma só personagem se transforma em mil e uma, numa fascinante viagem aos confins da imaginação.
De todos os traços que definem a identidade muito própria deste livro, aquele se destaca acima de tudo o resto é a escrita. Poética, por vezes, evocativa, numa voz que é ao mesmo tempo íntima e abrangente, há na construção deste livro uma harmonia e uma fluidez de palavras que nunca deixam de cativar, mesmo quando as perguntas são infinitamente mais que as respostas. É esta beleza que transparece da voz narrativa que primeiro cativa para esta leitura, e é também ela que sustém a envolvência, mesmo quando tudo é mistério, muito parece impossível e as respostas, se as houver, apenas mais tarde serão reveladas.
Também especialmente cativante é a forma como a autora consegue, a partir de uma imensa vastidão de mitos, elementos históricos, contos de fadas e histórias possivelmente reais, criar para as suas personagens uma mitologia particular que é, em parte a soma de tudo, mas também algo de diferente. Através das histórias da protagonista, e da sua viagem por diferentes vida, há, além de um conjunto de histórias e lendas que, em si mesmas, contêm já muito de interessante, mas a criação de um conjunto de relações entre essas inúmeras histórias e com a verdadeira história que parecem esconder. O resultado é um retrato daquilo que há de universal em todas essas inúmeras histórias - e de como o que nelas há de particular se repercute na história da protagonista.
Mas há, de facto, uma protagonista por detrás de todas essas histórias, e também ela tem uma história própria. É neste aspecto que ficam algumas perguntas em aberto, sendo dadas as respostas essenciais, é certo, mas ficando, ainda assim, uma certa curiosidade quanto ao muito que é insinuado, mas que nunca se fica realmente a saber. O que aconteceu realmente à protagonista, quanto do seu possível delírio é real e quanto é imaginação ou até que ponto são verdadeiras as respostas apresentadas são algumas das perguntas que ficam no ar depois de terminada a leitura. E sobre essas teria sido interessante saber um pouco mais.
Muitíssimo bem escrito e com uma voz que se adequa na perfeição ao imenso enigma que é a sua personagem central, trata-se, em suma, de uma leitura cativante e surpreendente, pela escrita, mas principalmente pela forma como uma vastidão de histórias se fundem para dar forma a uma só. Misterioso e surpreendente, deixa em aberto algumas possibilidades por explorar. Ainda assim, o que de facto conta é mais que suficiente para fazer deste Xerazade - A Última Noite uma boa leitura.

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