segunda-feira, 30 de março de 2015

O Falhado (João Reis)

Pouco sociável, pouco enquadrado no mundo que o rodeia e, possivelmente, a criatura com menos sorte do mundo. Assim é o protagonista desta história que, revivendo o seu percurso de crescimento, conta ao leitor a história da sua vida e de como esta o levou, pouco a pouco, a uma situação não muito agradável. A história de um falhado, em suma, que, depois de tantos pontapés da vida, acabou por decidir que talvez não valesse a pena voltar a levantar-se.
De todas as palavras que se poderiam escolher para descrever este livro, há uma que se destaca: caricato. E caricato em muitos aspectos, começando, desde logo, pelo próprio protagonista e estendendo-se a toda uma sequência de experiências de vida que, pouco agradáveis em si mesmas, se conjugam num todo em que o potencial para a catástrofe é tanto e tão vasto nas suas possibilidades que é impossível não deixar de... sorrir.
Sim, porque este é um livro que, apesar da não muito positiva posição do protagonista perante a vida, surpreende precisamente pelo humor. Humor que consegue ser bastante negro, diga-se, mas que é também um dos principais aspectos a contribuir para que a leitura se torne viciante. Claro que não é uma história muito extensa, pelo que a leitura se torna acessível mesmo para quem - como é o meu caso - não é apreciadora do formato, mas não deixa de ser surpreendente que, apesar das dificuldades acrescidas de ler num ecrã de computador, o conteúdo retire grande parte da relevância ao formato do livro.
Mas voltando ao conteúdo, que é, de facto, o mais importante. Outro aspecto que sobressai é que, apesar do tom divertido e quase leve da narrativa, os temas realmente sérios não são minimizados nem menosprezados. Sim, o protagonista é uma figura estranha, e sim, tende a olhar para a própria vida com um excesso de dramatismo. Mas é precisamente a partir deste ponto que se cria um muito bom equilíbrio entre a ridicularização dos excessos e a ponderação das questões que realmente interessam. Porque, por mais exagerada que seja a forma como o falhado deste livro encara à sua vida, existem, ainda assim, questões que serão familiares a qualquer leitor, e essas, apesar do registo mais humorístico, são facilmente reconhecíveis.
Por fim, e porque leveza de tom não implica uma simplificação excessiva, falemos da escrita. Sendo a história narrada na primeira pessoa, o primeiro aspecto a sobressair é a capacidade de se adaptar à voz da personagem. E esse é, sem dúvida, um dos grandes pontos fortes, já que facilmente se imagina a voz do "nosso" falhado a contar as suas desventuras. Mas, além disso, há uma voz própria que se afirma, uma solidez na construção do texto que confere à narrativa uma muito agradável fluidez, conseguindo, ainda, surpreender com alguns momentos realmente brilhantes.
A soma de tudo isto é uma história cativante e divertida, com um protagonista não muito carismático, mas, apesar disso, incrivelmente interessante, e um olhar sobre os grandes problemas do mundo - ou, melhor dizendo, os de quem acha que o mundo é um problema - que, num registo leve e peculiar, nunca deixa de surpreender. Recomendo.

Sem comentários:

Enviar um comentário