sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O Jogo de Ripper (Isabel Allende)

Amanda Martín não é uma adolescente vulgar. Brilhante, mas invulgarmente tímida, a sua principal ocupação reside em Ripper, um jogo em que, juntamente com outros adolescentes e com a ajuda preciosa do avô, se dedica a reunir factos e a investigar crimes. Mas o mistério é mais vasto do que ela imagina. Enquanto seguem pistas para ocupar o tempo, novos crimes vão acontecendo e uma teoria diferente começa a surgir. É possível que o banho de sangue previsto pela madrinha de Amanda, a astróloga Celeste Roko, seja, afinal, responsabilidade de um único assassino. E, mesmo que tudo pareça distante, e que a maior preocupação de Amanda sejam as relações algo atribuladas da mãe, a sombra da morte pode estar mais perto do que todos julgam.
Tendo em conta a linha geral que serve de base a esta história, com um conjunto de crimes e um mistério a resolver, é expectável, à partida, um certo rumo para a evolução da narrativa. Neste ponto reside a primeira surpresa de O Jogo de Ripper. É que, apesar de se poder considerar como sendo um policial, nem sempre o foco da história está no mistério e há um considerável conjunto de elementos a surgir em simultâneo. Aliás, no início, os crimes nem parecem ser assim tão importantes, quando comparados com o destaque dado à forma de estar de Indiana e às histórias dos que a rodeiam.
Desta forma inesperada de contar a história resulta uma certa estranheza, devida também a alguma - aparentemente deliberada - ambiguidade na caracterização das personagens. Isto é particularmente evidente em Indiana que, decidida a ver o melhor das pessoas, acaba por se deixar levar por atitudes aparentemente contraditórias. Mas acontece também com outras personagens que, pelo passado que têm ou por uma personalidade mais conturbada, parecem oscilar entre comportamentos divergentes. Mas tudo tem uma razão, afinal, e com o evoluir do enredo e o assimilar dos traços essenciais das personagens, a estranheza desvanece-se e o ritmo da narrativa torna-se progressivamente mais envolvente.
Mas voltando ao mistério. Se é certo que há alturas em que os crimes parecem ter pouca relevância, também isto se altera com o decorrer da história. A mudança é, aliás, particularmente interessante, passando de um elemento quase distante para uma situação que é imperioso resolver. O enredo evolui, pois, num crescendo de intensidade, à medida que novas surpresas vão sendo apresentadas e que os elementos de aparente estranheza vão revelando as ligações que os unem. E tudo culmina numa fase final simplesmente viciante, em que todas as respostas são finalmente dadas, mas nenhuma é a esperada, e em que os acontecimentos se concluem de forma memorável.
Surpreendente será, pois, uma boa palavra para definir este O Jogo de Ripper, uma história que, partindo de alguma dispersão e estranheza, evolui num sentido progressivamente mais viciante, repleto de momentos surpreendentes e com um final especialmente bem conseguido. Um bom livro, portanto. Muito bom.

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