sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

A Bibliotecária de Auschwitz (Antonio G. Iturbe)

Entre a miséria, o medo e a atrocidade, nasce o refúgio da normalidade possível, pelo menos aos olhos dos mais inocentes. O cenário é o inferno de Auschwitz-Birkenau. Aí, no campo familiar, lugar que poucos conseguem explicar, mas em que o fantasma da morte se afigura como um pouco, apenas um pouco mais distante, cria-se algo de proibido: uma escola. Dir-se-ia que é algo de relativamente inofensivo, mas onde os livros são proibidos, ensinar pode ser um crime punível com a morte. E é nessas circunstâncias que uma jovem corajosa combate os seus medos para defender o mais secreto e sagrado tesouro que conhece: os poucos e velhos livros que servem a escola clandestina no bloco 31.
Tendo em conta o tema que serve de base a este livro, não será, de forma alguma, surpreendente que este não seja um livro fácil de ler, pelo menos do ponto de vista emocional. Medo, morte, angústia e miséria são companheiros constantes das personagens deste livro e a forma como os acontecimentos são narrados, sempre de forma próxima aos seus protagonistas, confere a toda a narrativa uma nitidez impressionante.
Mas é precisamente isto que torna este livro memorável. É que, conhecendo a verdade por detrás deste romance, a forma como o autor narra as muitas atrocidades cometidas, associando-lhes nomes, rostos e histórias pessoais, torna ainda mais perturbadora a noção do sucedido. E, no meio de tudo isto, os rasgos de quase normalidade, o apego ao que resta da vida passada e a mistura de inocência, esperança e coragem que transbordam de figuras como Dita, mas não só, aumentam ainda mais o impacto dos acontecimentos.
Há, de facto, um cuidado em contar tudo, desde os momentos mais negros às alegadas razões para a existência do campo familiar, passando pelas esperanças e pelo desespero das personagens. Tudo é descrito, sem elaborações, mas também sem eufemismos, com precisão absoluta. E se isto torna mais pausado o ritmo da narrativa, torna-a também mais completa, mais perturbadora. E mais esclarecedora, em certa medida.
E, mais uma vez tendo em conta o cenário, também não é difícil sentir empatia para com as personagens. Mas há ainda algo que sobressai, em histórias mais discretas, como a de Viktor, o oficial SS que desertou, mas também da ideia geral. É a aproximação às consequências do preconceito racial, elevada à sua mais tenebrosa expressão, e a noção de como, mesmo de entre um sistema de ódio estabelecido, rasgos de diferença podem surgir.
No fundo, o que este livro apresenta é uma história de coragem ante a mais negra adversidade. E, quer pelas suas personagens cativantes e corajosas, quer pelo relato preciso e completo - e perturbador - dos factos, quer ainda pelo que há a retirar desta tão impressionante narrativa, fica na memória, bem depois de lida a última página, a história de A Bibliotecária de Auschwitz. 

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