sábado, 21 de dezembro de 2013

Os Nomes do Frio (Helena Filas Afonso)

Histórias de uma certa nostalgia, de uma vaga ambiguidade, mas cruzadas por certeiros laivos de contemplação do real. Assim são os contos deste pequeno livro. Contos que, diferentes entre si, têm em comum uma escrita cativante, uma certa peculiaridade e um equilíbrio entre o dito e o insinuado que acaba por os gravar na memória do leitor. Mas vamos por partes.
A Fotografia apresenta um funeral e um retrato do morto. Muito breve, mas escrito num registo muito particular, é, ao mesmo tempo, um registo algo próximo do acontecimento e do seu protagonista e um olhar através da perspectiva dos curiosos.
Também muito breve, As Caudas do Bicho introduz um episódio das muito invulgares relações entre um superior e o seu subordinado. Cativante quanto baste, certeiro na observação de certos traços do "mundo dos negócios", perde um pouco pela ambiguidade que deixa, afinal, uma certa impressão de estranheza.
Mal-Amada, outro conto breve e também algo ambíguo, descreve o que parece ser uma tentativa de sedução. Deixando a impressão de algo que poderia ter sido mais vasto, cativa, ainda assim, pela fluidez da escrita.
As Meninas de Ivan Vasquez, história dos amores de um homem através do tempo, cativa, em primeiro lugar, pela voz do narrador/protagonista e pela forma ora entusiástica, ora nostálgica como descreve as suas paixões. Sobressai também uma fluidez de escrita que confere ao texto um ritmo muito peculiar. Tão peculiar, de resto, como as circunstâncias da história propriamente dita.
Segue-se Aqui Não Mora Ninguém, história de dois bancos de jardim de localização pouco comum, e dos seus respectivos frequentadores. Também aqui sobressai uma forma de escrita muito particular, de ritmo cativante e com expressões invulgares. Cativa, também, o contraste e a simetria entre as figuras principais do conto.
O Medo dos Távoras, breve relato da conturbada ligação de um homem às mulheres da sua vida, cativa, mais uma vez, pelo invulgar, quer da situação, quer da forma como esta é narrada. Tudo é explicado de forma muito sucinta e, ainda assim, fica a impressão de que não lhe falta nada. Um conto muito breve, mas completo.
A estranha relação entre um homem e uma mulher serve de base a Coisa Nossa, um conto feito de fragmentos de uma vida comum, e de pensamentos tão estranhos como surpreendentes. Cativante, ainda que pareça ser deliberadamente ambíguo, marca principalmente pela forma como está construído.
Tibério Cisco conta a história da evolução de um rapaz. Muito simples, resumindo os factos ao essencial, cativa pelo ritmo e pelo retrato sucinto do seu protagonista.
Segue-se O Bem-intencionado, história de um sucesso tardio e das  tribulações da criação de um mundo melhor. Bastante surreal, mas com uma fluidez estranhamente cativante, confunde e fascina, ao mesmo tempo, pelas suas ambiguidades.
Das rotinas agitadas da cidade e do contraste com meios mais tranquilos trata O Conquistador da Paz, conto divagativo, um tanto ambíguo, mas cativante quanto baste e, como seria de esperar, bem escrito.
Azar é, no fundo, a clássica história dos azares da vida, na forma da mulher grávida antes do casamento e de todos os problemas associados a esta situação. Um bom retrato de uma forma de pensar que ainda prevalece em alguns meios e um conto que, narrado na habitual forma sucinta, consegue marcar pela intensidade que confere ao essencial.
Por último, Cinco Passos atravessa gestos e rotinas num breve fragmento do que parece ser uma forma de existir. Vago, ambíguo, deixa, ao mesmo tempo, uma sensação de estranheza e a impressão de uma contemplação bem conseguida do interior do protagonista/narrador.
Da leitura destes contos, e da sua conjugação como unidade, a impressão que fica é a de um livro peculiar, repleto de estranheza e de fascínio, sucinto nas palavras, mas complexo no que elas representam. Um bom livro, pois. Um muito bom livro.

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