domingo, 30 de junho de 2013

Incendiário (Chris Cleave)

Destruída pela perda e por todas as revelações que esta lhe trouxe, uma mulher escreve a Osama bin Laden, para lhe falar do marido e do filho e de como, depois que eles morreram no atentado que semeou mortes num estádio de futebol, tudo na sua vida se tornou caos e escuridão. Fala-lhe do ódio e do amor, e de como, na sua vida, ambos se confundem. E entre recordações e escolhas, ela escolhe lutar, ou viver, ou cair, e a vida em volta reage às suas escolhas. A carta de uma mulher destroçada e a história de uma vida - ou várias vidas - muito humanas perante circunstâncias desumanas. Assim é, na verdade, a essência deste livro.
Algo de maravilhoso nos livros de Chris Cleave é a capacidade de construir uma voz única para as suas histórias e, principalmente, para as suas personagens. Incendiário é integralmente narrado na primeira pessoa, e dirigido a uma segunda, e toda a forma como o livro é construído reflecte essa questão, desde as dificuldades de escrever da protagonista à forma muito pessoal como as revelações e mudanças de percepção são apresentadas. Ao longo do livro, há uma imagem da protagonista que vai ganhando mais e mais camadas, com traços que a tornam mais próxima e outros que a tornam quase insondável, e as complexidades da sua personalidade começam a notar-se precisamente na sua voz enquanto narradora.
Outra das grandes forças deste livro é precisamente a caracterização das personagens, com o seu enquadramento nos acontecimentos. O autor desenvolve um ambiente em que, entre o terror e a perda, a percepção geral será algo sombria, e as suas personagens encaixam perfeitamente neste cenário. Não seguem, ainda assim, os padrões mais expectáveis da ficção. Neste livro, não há nenhuma personagem com características heróicas, nem mesmo a protagonista, bem longe do estereótipo da mãe sofredora e resignada. Não. Todas as personagens são humanas, porque complexas e, por vezes, imprevisíveis. E, principalmente, porque tão capazes de belos gestos como da mais abjecta manipulação.
Depois há o contexto, claro, e as inevitáveis considerações sobre o terrorismo e a guerra ao terror. Neste aspecto, a autor coloca inúmeras questões para reflexão, desde o secretismo das autoridades ao exacerbar dos preconceitos, passando pelo desenvolvimento de uma certa paranóia e pelas reacções - medos e recomeços - resultantes. Sem esquecer ainda as possíveis motivações dos próprios terroristas. O leque de temas importantes é vasto, mas, mais que a importância dos temas, sobressai a forma como o autor os aborda, associando-os a acções e consequências na história das suas personagens e, desta forma, tornando mais nítidos os efeitos e mais poderosas as questões.
Não surpreende, por tudo isto, que este seja um livro que fica na memória bem depois de lidas as últimas palavras. Intenso, emocionalmente devastador e com personagens tão complexas e tão marcantes como as suas histórias e as suas escolhas, Incendiário é um livro que marca de muitas formas e em todos os aspectos que o constituem. Impressionante, portanto, e um livro que recomendo sem reservas.

NOTA: Mais uma vez, fica uma nota de agradecimento à Célia, que me ofereceu este livro.

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