quinta-feira, 9 de maio de 2013

Censurado / Aprovado (Raúl Mesquita)

Episódios de uma vida mais ou menos íntima num sistema equivalente a um futuro relativamente próximo. Histórias que, aparentemente independentes, têm presenças e elementos em comum, num cenário que se quer democrático e baseado numa cidadania responsável. Destas situações se define Censurado / Aprovado, história (ou conjunto de histórias) que pretende ser de crítica à sociedade e que, para o fazer, apresenta um retrato cru (e, por vezes, cruel) das suas personagens e das ideias que defendem.
Bastam as primeiras páginas deste livro para perceber que o objectivo principal é chocar e, dessa forma, evocar as questões que o autor pretende transmitir ao leitor. Isto é evidente no estilo de escrita, directo, sem floreados, com o contexto e a descrição limitados ao estritamente essencial, mas, e principalmente, nos episódios vividos pelas personagens e pelos pensamentos que lhe são atribuídos. A mensagem é transmitida, sem dúvida. Mas os sentimentos que deixa são contraditórios.
Como ponto forte, sobressai essencialmente a escrita. O tom directo, sem subterfúgios, realça o impacto das ideias e dos momentos (independentemente de o impacto ser positivo e negativo). Além disso, e mesmo nas situações mais bizarras, a escrita acessível, mas dotada de certa fluidez, consegue, na sua clareza, criar para o enredo um ritmo que, excluindo todas as outras questões, acaba por ter algo de agradável.
O problema está nas ideias. Como resultado da tal tentativa de chocar, o autor coloca as suas personagens em situações complicadas. Mas, mais que isso, atribui-lhes pensamentos e comportamentos que oscilam entre o irritante e o revoltante. Claro que é sempre possível reconhecer o objectivo de provocar para levar à reflexão, mas é difícil criar empatia ou sequer interesse para com personagens de ideias tão extremas. Além disso, algumas dessas ideias (e tenha-se em conta que a sexualidade tem um papel essencial nos temas abordados) são simplesmente difíceis de compreender, mesmo em contexto de quase sátira.
A impressão que fica deste Censurado /Aprovado é, por tudo isto, a de um livro que, apesar de bem escrito e da interessante tentativa de analisar certas questões sobre a vida em sociedade e as mentalidades dominantes, acaba, no seu esforço por chocar, por ir longe demais. Faltava um pouco mais de equilíbrio na abordagem às situações mais delicadas...

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