quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Estorvo (Chico Buarque)

Um desconhecido a tocar à campainha despoleta a fuga do protagonista. Do que foge e porquê nem ele sabe bem. Mas inicia, dessa forma, um percurso através das suas memórias e da vida de todos aqueles que conheceu - e para os quais é apenas um fardo a suportar. Um estorvo. Este livro é a sua narração dessa jornada, perdida, por vezes, entre recordações e imagens sonhadas, num enredo com tanto de surreal como de cativante, difícil de acompanhar, por vezes, mas também com vários momentos marcantes.
O grande ponto forte deste livro está, sem dúvida, na escrita. Num estilo muito próprio, com algo de divagação (reflectindo, um pouco, o percurso do narrador), a narração funde as diferentes imagens e acontecimentos num todo envolvente e fluído. Mesmo quando o rumo da história parece mais difícil de seguir, confundindo o presente com os sonhos e memórias do protagonista, a escrita nunca deixa de ser cativante na sua identidade própria e no seu estilo particular.
Da história propriamente dita, sobressai inicialmente alguma estranheza, principalmente quanto às razões que justificam algumas das escolhas do protagonista, mas também, nos melhores momentos, um toque de emoção e de empatia face ao homem solitário que, pouco mais que um obstáculo para todas as pessoas da sua vida, não tem outro caminho que não a fuga. Há várias situações confusas ao longo do enredo, principalmente no que diz respeito à interacção do protagonista com a família e na questão das jóias da irmã. Mas há também momentos que despertam a curiosidade em conhecer o seu destino e algo de triste e enternecedor na forma como o autor conclui a história.
Ficam algumas questões em aberto, já que a história do protagonista se resume aos poucos dias em que decorre o enredo. Não há grande desenvolvimento do seu passado nem das personagens com as quais interage, ficando, quer sobre as relações familiares, quer de alguns crimes e outras ilegalidades ocorridas ao longo da história, a sensação de que muito é deixado por explicar. Haveria, por isso, talvez muito mais a desenvolver, numa história que não fosse tão centrada no protagonista e no seu único e constante acto de fuga.
Esta é, assim, uma história bem escrita e com alguns momentos particularmente fortes, ainda que também um pouco confusa e que deixa bastante por dizer. Tudo somado, fica a sensação de que mais poderia ter sido explorado, nalguns aspectos, mas a impressão final de uma leitura cativante e agradável. Gostei de ler, portanto.

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