sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cividade (Agustina Bessa-Luís)

No momento em que regressa à sua terra de origem, Rita recorda a vida que a ligou à Cividade e que, por algum tempo, a afastou daquele lugar. A sua história é, muitas vezes, amarga, o percurso de uma mulher que se resignou a algumas conveniências para fugir ao desdém com que se olhavam os diferentes. Mas o seu olhar sobre as raízes que a prendem à terra é tanto de sombras como de boas memórias e a história da Cividade entrelaça-se na sua, para dar forma a uma história de fugas e de regressos. E, principalmente, de uma voz interior que, reprimida por demasiado tempo, acaba por se soltar com graves consequências.
Com muito de descrição e divagação, esta é uma história que, apesar da sua brevidade, acaba por ser uma leitura relativamente lenta. Há muitos pormenores, desenvolvidos no tom de devaneio em que a protagonista contempla a terra, recordando a história - a sua e a do lugar. Assim, há uma certa dispersão entre factos antigos, juntamente com a relativa distância dos momentos em que Rita quase desaparece, dando protagonismo às memórias e traços da Cividade. Não há, pois, inicialmente, grande ligação à protagonista, sendo a descrição dos espaços e da história - e a beleza das palavras com que é feita - o que primeiro cativa.
Mas há uma surpresa que se insinua neste início algo distante e, à medida que se desenvolve a história de Rita, com as desilusões e parcas ambições que dão lugar à amargura, a sua figura contemplativa torna-se mais fácil de compreender. Cria-se, gradualmente, uma certa empatia, a quase inevitável piedade despertada por uma vida de tristeza e quase resignação. Resignação incompleta, mas evidente, que contribui para o maior impacto de um final completamente inesperado na intensidade que revela (em contraste com a serenidade melancólica que domina o texto).
Quase tudo no texto diz respeito a Rita ou à Cividade. Mas importa referir um outro elemento fulcral para a conclusão da história e que, apesar de surgir de forma discreta durante grande parte do texto, acaba por se revelar numa multitude de pormenores interessantes. Trata-se, claro, da obsessão e do mistério em torno da casa sempre interminada e do poder que a superstição exerce sobre os seus donos, questão aparentemente inofensiva, mas que contribui também para a força do final.
Breve retrato de uma mulher e de um lugar, esta é uma história com tanto de divagação como de acção. Não será, por isso, de leitura compulsiva, principalmente pelo início distante e descritivo. Cativa, ainda assim, neste pequeno conto, o contraste entre a calma dos momentos parados e a intensidade de uma vontade libertada, numa história escrita com mestria e com um final brilhante. Vale a pena ler, portanto.

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