segunda-feira, 19 de novembro de 2012

As Coisas que Nunca Dissemos (Marc Levy)

Julia nunca teve uma relação próxima com o pai. Muitas vezes ausente e demasiado controlador quando presente, raras vezes foi alguém com quem contar e algumas das suas intervenções acabaram por ser destrutivas. Foi essa a razão que levou Julia a comunicar-lhe o seu casamento como o faria a qualquer outro conhecido. Mas Anthony Walsh parece capaz de perturbar a vida da filha, mesmo na mais complicada das circunstâncias, ao morrer poucos dias antes do casamento. A data do casamento acaba por se tornar na de um funeral... e no início de uma aventura atribulada em busca do passado que ficou para trás e de uma reconciliação tardia. É que o pai de Julia parece determinado a permanecer presente, mesmo depois da morte.
Parte do encanto deste livro está nas muitas situações caricatas e coincidências inesperadas que parecem povoar a história, sendo de destacar, naturalmente, a presença de Anthony uns quantos dias depois do seu funeral. O autor parte de um momento tão simples como a compra de um vestido de noiva - tornando também esta situação algo peculiar - para logo partir para circunstâncias bastante mais complicadas. Toda a situação em torno de Anthony tem, aliás, um toque de surreal que a torna estranhamente fascinante, na medida em que, mesmo sendo difícil imaginar uma criação como a apresentada - um super-andróide capaz de reter todos os pensamentos e memórias de um humano, activado após a morte desse humano para dar à família as palavras e as recordações que ficaram por partilhar - a forma como o autor a desenvolve é de tal forma envolvente que facilmente se esquecem essas dificuldades. Além disso, esta faceta improvável acaba por ser apenas um meio para realçar o que realmente importa na história: as memórias e as emoções.
Quer na história de Anthony e da sua intervenção na vida da filha, quer na história desta com Tomas, há, ao longo de todo o enredo, uma reflexão que se insinua. O tema central é a morte, claro, e a forma como coisas importantes são deixadas por dizer. Mas também a memória está muito presente, como base para toda uma história de afectos em que também as relações entre pais e filhos, entre amigos e entre amantes são ponderadas, bem como as escolhas - quando é possível escolher - na base de algumas dessas relações. 
Há, portanto, várias questões relevantes a surgirem neste livro e a vasta maioria dizem respeito a temas muito sérios. O que me leva a outro dos grandes pontos fortes deste livro, a forma como o autor consegue falar de temas profundos e de questões complexas sem nunca perder de vista o humor e a leveza que tornam a história tão encantadora. As atribulações da aventura de Julia e do pai, mas também, em menor grau, a sua relação com o amigo de sempre, têm tantos momentos de intensidade emocional como de humor e descontracção. O resultado é um equilíbrio quase perfeito entre seriedade e leveza, numa história que é, na sua essência, muito simples, mas que surpreende pela intensidade dos pensamentos e emoções que evoca.
É, pois, no essencial, uma história de perdas e de recordações, a contada em As Coisas que Nunca Dissemos, caricata, por vezes, divertida, em vários momentos, e com tanto de estranho como de comovente. Uma leitura descontraída, portanto, mas também com vários momentos marcantes e algumas questões para reflectir. Recomendo.

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