sábado, 8 de setembro de 2012

Auto-Retrato (João Melo)

A imagem do poeta e do homem ao longo do percurso da sua obra. É este o tema que une os poemas que dão forma a este pequeno livro em que, através de diferentes formas e imagens, o autor evoca diferentes facetas do seu sujeito poético. Um sujeito poético que ora recorda a inocência da infância, ora contempla as sombras e as agruras de uma pátria em mudança, ora vislumbra ainda a passagem do tempo através das experiências vividas. Uma figura completa, humana, que é, no fim de contas, o centro de todos os poemas, mas que se torna imenso na multiplicidade de perspectivas que sobre ele incidem.
O que mais fascina neste livro é a forma como a escrita se adapta na perfeição ao conteúdo e os vários poemas se encadeiam, apesar de completos em si mesmos, num todo que acompanha uma linha de passagem do tempo, evidente tanto no estilo de escrita como na expressão dos pensamentos e emoções do sujeito poético. É possível seguir as mudanças no estilo do autor e reconhecer também as características que permanecem através da passagem do tempo. E é fácil notar os contrastes entre a quase inocência do olhar do sujeito poético sobre si mesmo, enquanto figura que sonha, e a visão mais dura e real de um mundo com tanto de mágico como de doloroso. O próprio sujeito poético assemelha-se ao que sobressai da escrita: de uma simplicidade aparente, mas mais complexo do que à primeira vista aparente, com mensagens e imagens mais profundas que o que se vislumbra num primeiro olhar aos versos curtos e ao ritmo livre.
Há, naturalmente, um lado muito pessoal nos poemas deste livro - ou não fosse este um auto-retrato. Ainda assim, a voz do sujeito poético não se prende em demasia a si mesmo e a forma como vê as suas experiências pessoais - de sonho, de paixão, de desamparo - torna-se completa pela visão que transmite da mutabilidade do mundo em redor. É das emoções do sujeito poético que tratam estes poemas - mas de emoções que vêm também do mundo e da interacção com este e entre seres.
Aparentemente simples, mas com um sentido mais profundo a descobrir, há, na globalidade deste livro, uma visão do mundo e do próprio sujeito poético que é, ao mesmo tempo, pessoal e abrangente, inocente e lúcida. Que muda com o crescimento que reflecte, quer a nível de sentimentos, quer de posição perante a vida. E é este percurso de crescimento, em conteúdo e em expressão, o que de mais cativante há nesta obra. 

Sem comentários:

Enviar um comentário