sábado, 29 de setembro de 2012

Abaddon (Rui Madureira)

Foi a criação da humanidade, o mais amado plano de Deus, que levou Lúcifer à rebelião. Mas foi derrotado. Milénios passaram e o antigo mentor de todos os anjos esperou, no abismo, pela sua oportunidade de vingança. Agora, a hora aproxima-se. Abaddon, rei dos demónios, tomou posse de um corpo humano e está pronto a abrir as portas que separam o abismo do mundo dos homens. Os números do exército de Lúcifer são incontáveis. E a data do apocalipse está marcada. Mas Deus não abandonou a sua criação. Para parar os planos da Estrela da Manhã, enviou-lhes o seu herói. Cabe, portanto, a Gabriel destruir o seu inimigo e tomar o comando na derradeira guerra entre Lúcifer e o criador.
Tendo como ponto de partida a queda de Lúcifer e como linha geral a iminente chegada do apocalipse, não é propriamente uma surpresa que um dos aspectos mais explorados deste livro seja o inevitável confronto entre anjos e demónios. E, tendo isto em conta, há dois aspectos que desde logo se evidenciam: um sistema que é apresentado até ao mais pequeno pormenor, com algumas explicações familiares de outras abordagens e este mito particular, mas também com vários elementos que a diferenciam, e um enredo em que, apesar da intervenção de muitas personagens, são poucas aquelas que têm grande protagonismo. 
No que respeita à caracterização do cenário e do sistema, as descrições são exaustivas e detalhadas. Isto dita, inevitavelmente, um ritmo bastante pausado para toda a narrativa e apresenta tanto vantagens como inconvenientes. As vantagens estão numa boa contextualização, na capacidade de ficar com uma ideia completa quer do cenário quer do que está a acontecer. Tudo o que sobre isso há para saber é referido. Os inconvenientes prendem-se com a sensação de que a acção perde alguma intensidade, já que a descrição é claramente dominante, e na repetição de algumas características, principalmente no que respeita às personagens.
Ainda que seja Abaddon a figura que dá nome ao livro, não se pode propriamente considerar o senhor do abismo como o protagonista desta narrativa. Tem um papel essencial a representar, é certo, e protagoniza alguns momentos particularmente interessantes, mas, a apontar uma figura que sobressaia, essa será, sem dúvida, a de Gabriel. É também ele a personagem mais cativante, ainda que também do arcanjo fique a sensação de que mais haveria a dizer. Na verdade, os acontecimentos globais sobrepõem-se à história individual das personagens, o que se torna cada vez mais evidente com o evoluir do enredo numa batalha que abrange todo o planeta.
Ainda a respeito da batalha do apocalipse, há um aspecto curioso a referir. Ainda que tudo no livro nos apresente Gabriel e o criador que serve como a base dos "bons" (e os actos de Lúcifer o confirmem), nem todas as decisões do lado do bem são inquestionáveis no seu valor moral, o que vem acrescentar um muito agradável toque de ambiguidade numa luta em que os dois lados estão, aparentemente, muito definidos.
Uma última nota para alguns pequenos lapsos a nível de escrita, nomeadamente no atribuição de um significado algo confuso a certas palavras Sendo uma situação ocasional, não prejudica em muito o ritmo da leitura, mas torna-se mais evidente pelo ritmo pausado e muito descritivo, e deixa, nesses momentos, uma vaga sensação de estranheza.
Os pontos fortes deste livro são, portanto, um sistema interessante e bem caracterizado e uma história em que, apesar da muita descrição e de alguma distância emocional, há momentos particularmente bem conseguidos e um enredo interessante a manter a curiosidade em continuar a leitura. Fica, pois, uma impressão positiva desta história que, não sendo propriamente de leitura compulsiva, tem, ainda assim, bastante de interessante para descobrir. Gostei.

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