quinta-feira, 31 de maio de 2012

Azul-Corvo (Adriana Lisboa)

De volta aos Estados Unidos após a morte da mãe, Vanja está determinada em encontrar o pai que nunca conheceu. Os seus aliados são Fernando, ex-guerrilheiro e ex-marido da mãe de Vanja, e Carlos, o rapaz de El Salvador que acredita firmemente que o seu lugar é no Colorado. As pistas são as recordações de Fernando, das antigas amigas da mãe de Vanja e os vagos fragmentos da sua própria memória. Mas, ao mesmo tempo que, na busca do pai, Vanja descobre quem é e qual é o seu lugar, há também uma grande revelação no passado de Fernando e do seu papel nos acontecimentos que ditaram uma fase negra da história do Brasil.
Contado na primeira pessoa e com um ritmo que se estabelece pela forma como as memórias da protagonista lhe acorrem à mente, Azul-Corvo não é propriamente um livro de leitura fácil. Isto deve-se principalmente ao facto de não haver uma linha temporal definida para a narrativa, mas antes uma série de recordações de tempos diferentes, que se vão cruzando e revelando com o crescimento da própria Vanja e com o que esta descobre sobre o passado e a forma de ser dos que lhe são mais próximos. 
Mais que a história da busca do pai de Vanja, esta é a história de como o passado e as experiências marcam o percurso de cada vida. Não só a de Vanja, com a quase inocência de alguns momentos a contrastar com o crescimento imposto por cada mudança e cada revelação, mas a do próprio Fernando , com o que o definia enquanto guerrilheiro a dar lugar a um homem bem diferente, como ainda na ingenuidade quase terna de Carlos e na forma como esta equilibra as manifestas diferenças entre o mundo de que Vanja começa a fazer parte e o mundo que Fernando conheceu. Destes três intervenientes maiores na linha da narrativa, sobressaem as diferenças e os contrastes, as mudanças que o tempo e as experiências vividas estabelecem entre eles, mas também a relação de quase ternura que atravessa essa distância. As ligações são fortes, mas não são eternas, e essa percepção cria, nesta história, uma interessante reflexão sobre a efemeridade dos laços que se criam ao longo da vida.
Há dois elementos que se distinguem e se complementam ao longo deste livro: a história pessoal e introspectiva da protagonista e dos que a rodeiam e a caracterização, através das memórias de Fernando, da vida e das acções dos guerrilheiros. E nem só o tempo e os protagonistas de cada evento os separam: a própria escrita acompanha estas divergências, num tom mais poético e contemplativo para as memórias e reflexões de Vanja, que cede, para os elementos históricos, a um relato mais concreto, com descrições precisas, que, nos momentos mais sombrios, chegam a ser perturbadoras.
Duas histórias diferentes, mas com muitos pontos em comum, se conjugam neste livro. Do equilíbrio que se estabelece entre ambas, sobressai a beleza da escrita, a conjugação do lado pessoal com os eventos globais e um enredo que, com a medida certa de ambiguidade, dá forma a toda uma reflexão sobre o crescimento e as relações. Eis, portanto, uma boa leitura.

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