quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Hoje Lembrei-me que te Amo (Miguel Novo)

Um homem encontra um conjunto de cartas e mergulha na sua leitura. Cartas de amor, entre personagens estranhas e desconhecidas, expressões de sentimentos por vezes confusos, por vezes perturbadores, sempre intensos. Do homem que lê, pouco é revelado, à partida. São as cartas o foco da história, uma organização de palavras onde o amor predomina, mas onde as imagens, construídas em tom algo poético, se insinuam com um toque de estranheza. Cartas estranhas, ambíguas, mas com um sentido inesperado.
Bastante breve e num tom que parece ser deliberadamente ambíguo, este livro apresenta-se como algo difícil de definir. Intrigante desde o início, principalmente devido à multiplicidade de personagens que parecem cruzar-se ao longo das cartas, diferentes e sem aparente relação, mas com pequenas referências a definir os pontos comuns, há um mistério que discretamente se insinua, vago na exposição das cartas, mas culminando num final em que, subitamente, tudo faz sentido.
Também na escrita há algo de surpreendente. Ao tom de ambiguidade e de uma introspecção algo abstracta vêm juntar-se súbitos rasgos do concreto, com referências a elementos do mundo real, com mudanças de linguagem que parecem reflectir alterações de estado de espírito, com o surgir de acontecimentos directos que terão deixado uma marca no rumo do pensamento. As personagens permanecem vagas, é certo, mas faz sentido que sejam assim, pelo que revelam acerca de quem as observa. A estranheza de alguns momentos torna-se lógica com a conclusão da história e é, principalmente, esse efeito que torna a leitura tão interessante.
Trata-se de uma história bastante curta e, por isso, fica uma certa curiosidade em saber que outros desenvolvimentos poderiam ter sido acrescentados às possíveis personagens. Apesar disso, a brevidade da narrativa resulta bem, deixando no ar um interessante efeito de dúvida quanto ao que terá sido a história real e a quanto de imaginário terá ganhado forma nas cartas. A impressão global é, por isso, a de uma história em que se cria um interessante equilíbrio de estranheza e de emoção, resultando numa leitura cativante e com um final particularmente surpreendente. Gostei de ler.

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