quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Palavras Nossas - volume I

Trinta autores, um projecto comum e muita, muita poesia são os elementos que definem esta antologia. Registos e temas muito diversos, em estilos que variam de uma simplicidade quase popular a opções estruturais mais complexas, fazem com que este livro tenha muito para descobrir.
E a diversidade é, de facto, um grande trunfo. Com temas que oscilam do mais pessoal a um certo tom de crítica social, poemas mais livres ou mais cingidos a normas de rima e métrica e, claro, visões muito diferentes do mundo e da vida, é apenas natural que diferentes leitores encontrem diferentes preferências. Há, portanto, um pouco de tudo para todos os gostos, do romântico ao sombrio, do introspectivo ao tomar de uma posição ante o estado do mundo.
Tratando-se de uma obra que representa, essencialmente, o trabalho de autores desconhecidos, e principalmente por se tratar de um género com relativamente pouca visibilidade, é sempre interessante descobrir um projecto como este. Independentemente dos gostos e critérios de cada leitor, há sempre alguns poemas que ficam na memória, já que cada autor tem uma forma muito própria de construir poesia. É também uma boa forma de dar a conhecer o trabalho dos vários autores, sendo de destacar (mais uma vez) a diversidade que permite cativar diferentes leitores.
Trata-se, portanto, de uma leitura agradável, onde, como é natural, há trabalhos que se destacam mais que outros, quer pelas opções a nível de forma, quer por um conteúdo mais atractivo. Mas é também no contraste entre as diferentes formas de escrita que se define o que resulta como um livro cativante e interessante. Gostei.

Novidade Casa das Letras

O maior receio do dono de um cão, de certa forma ainda pior do que o da morte de um animal de estimação querido, é que ele se perca, que desapareça durante dias, depois semanas, talvez para sempre. Tu És o Meu Coração é a história de Nelson, um cão que se deixa levar pela sua curiosidade e se perde, separando-se assim da sua dona.
Esta comovente história segue Nelson na sua caminhada de oito anos longe de casa até ao dia em que, milagrosamente, se reúne com a sua família. Durante esta jornada, Nelson conserva o espírito optimista e o desejo de reencontrar o seu Grande Amor, a sua primeira dona, uma pianista de nome Katey. Nelson nunca deixa de suspirar por ela e, por sua vez, Katey nunca deixa de o procurar.

O talentoso retrato que Alan Lazar faz das capacidades e da vida emocional de Nelson enaltece os extraordinários poderes mágicos dos cães, mostrando o quanto este pequeno rafeiro desengonçado, com um coração corajoso, nos pode ensinar, a nós, humanos. Esta história enternecedora sobre a família, a condição humana e a saudade, vai tocar bem fundo no coração de cada leitor e recordar o poder cicatrizante da sobrevivência e do amor persistente.
Alan Lazar nasceu na África do Sul, onde era teclista e produtor dos multipremiados Mango Groove, banda que atuou na tomada de posse de Nelson Mandela. Também compôs African Dream, nomeada para Canção da Década. Viajou para os Estados Unidos como bolseiro Fulbright completando o seu MFA na USC Film School. Compôs a banda sonora de mais de trinta filmes e espetáculos televisivos, incluindo a de O Sexo e a Cidade e Um Crime Americano. Atualmente é diretor da Lalela Music, uma produtora musical para filmes e séries televisivas. Vive com a família e os seus três cães em Los Angeles, na Califórnia. Tu És o Meu Coração é o seu primeiro romance.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Sangue Ruim (Rhiannon Lassiter)

Numa divisão secreta de uma casa abandonada, há um jogo que nunca foi concluído. E, quando uma família conflituosa chega à casa, com o objectivo de passar umas férias em família (por mais complicadas que sejam as interacções entre os seus membros), despertam novamente os poderes que, no passado, foram criados por três raparigas com vontade de fugir do mundo real. E nem a casa, nem o bosque nem os estranhos que cruzam o seu caminho são completamente seguros quando, para além do conflito entre "irmãos", há seres imaginários que se movem... com vontade própria.
Há muito de interessante para descobrir neste livro. Uma história que começa com o que parece ser um simples drama familiar, quando um casal se junta e os filhos de ambos se recusam terminantemente a criar laços entre si, mas que cedo evolui para algo mais complexo com a chegada à casa de Fell Scar. E tudo isto é construído de forma intensa, com uma escrita cativante e com a medida certa de descrição, construindo cenários (e criaturas) invulgares, fascinantes e algo sinistras para definir um enredo envolvente e cheio de surpresas.
O contraste entre as diferentes personalidades serve como base para o choque entre as diferentes personagens. Catriona e Katherine, com a sua feroz inimizade diferenciam-se da prudente simpatia que se cria entre Roley e John. E, quando o sobrenatural e o improvável entram em cena, serão estes contrastes e rivalidades a ditar o caminho das diferentes personagens, dando à narrativa uma intensidade que torna a leitura compulsiva, tanto pela forma como os acontecimentos afectam as personagens, como até pela construção do lado "imaginário" do que vive em Fell Scar e de como este surgiu. Liga-se, portanto, um passado que, durante grande parte da narrativa, permanece um mistério, a uma série de acontecimentos do presente, num percurso surpreendente, com o equilíbrio certo de acção, emoção e mistério e feito de momentos muitíssimo bem conseguidos.
Sombrio, com laivos de macabro e uma história que se torna mais e mais intensa para culminar num final marcante, Sangue Ruim conjuga problemas normais com adversidades sobrenaturais, num livro viciante e surpreendente. Muito bom.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Fumo Azul (Nora Roberts)

O fogo marcou a vida de Catarina Hale. Desde que, aos onze anos, o viu consumir o restaurante da família, Reena soube que o seu lugar no futuro seria entre os que o combatiam e desvendavam os seus mistérios. E, com esforço e determinação, conseguiu. Mas a história que começou na véspera daquele incêndio está longe de terminada e a cada nova relação, a cada novo ciclo na sua vida, há um olhar que a vigia... e mãos que trazem, mais uma vez, o fogo, numa vingança longa... e ardente.
É natural nos livros desta autora o desenrolar de uma relação romântica. O amor - e os afectos em geral - têm, inevitavelmente, um papel a desempenhar na narrativa. Mas o interessante neste livro é que nem só da relação entre os protagonistas vive a história. Muito pelo contrário. Ao acompanhar o percurso de Reena desde o ponto em que os seus sonhos se definem, a autora desenvolve também o mundo dos afectos familiares (e a caracterização da família Hale é magnífica neste aspecto), mas também o poder e a durabilidade dos ressentimentos. A figura que vigia em todos os grandes momentos de Reena é, também, um elemento fulcral da narrativa e, ao entrar nos pensamentos desta personagem, a autora cria um interessante contraste entre situações de amor e ódio, de sonho e de obsessão.
Há acontecimentos ao longo do enredo que não são difíceis de prever. O ideal de Bo da "rapariga de sonho" e os repetidos incidentes com os que se aproximam de Reena (a nível afectivo) fazem, desde cedo, adivinhar uma interacção romântica entre os protagonistas. E, tendo em conta a profissão de Reena, também não é difícil imaginar as situações de choque entre a figura masculina protectora e a mulher habituada ao perigo. Há, ainda assim, apesar destes elementos mais previsíveis, uma série de surpresas de percurso, mantendo a envolvência de uma história com bastantes pontos fortes a nível emocional e um enredo que nunca deixa de ser cativante.
De leitura agradável, uma boa história, com personagens cativantes e um equilíbrio muito bem conseguido entre romance e mistério. Envolvente, com uma boa dose de emoção... gostei.

Novidade Clube do Autor

«Depois de ter lido Bolaño a nossa vida muda um pouco. Não se pode esquecer aquilo que ele deixou escrito, e que é uma tempestade, uma torrente, um delírio, como deve ser a literatura.» Francisco José Viegas
Esta obra demonstra que Roberto Bolaño realizou, em relativamente pouco tempo, um feito que muitos autores perseguiram: criar o seu próprio público. A ideia de reunir em livro um conjunto de textos disperso por jornais e revistas de vários países visa proporcionar aos leitores de Bolaño um material informativo importante sobre a sua vida e obra.
A escrita de Bolaño é reveladora de uma estética nova, que supera modelos esgotados, tanto da denominada literatura realista como da fantástica. Nos seus livros está patente a incorporação do político em registos narrativos que recuperam tradições universais complexas e uma cultura da errância que inaugura cartografias culturais de espaços revisitados (sejam eles grandes ou pequenas cidades), de zonas de paisagem físicas e metafóricas que afectam os corpos e as palavras.
Eu Sou Bolaño inclui contribuições de vários escritores e textos inéditos de Bolaño, como o discurso de aceitação do Prémio Rómulo Gallegos, proferido em Caracas, e uma breve reflexão do próprio sobre o romance premiado e a sua biografia.

Poeta e romancista, Roberto Bolaño nasceu na capital chilena, Santiago, em 1953. A sua infância foi passada em várias cidades chilenas, até que, aos quinze anos, a família mudou-se para a Cidade do México. Ligado a um grupo trotskista, o escritor envolveu-se activamente na política e abandonou o liceu, seguindo para El Salvador. De regresso ao México, em 1974, fundou com um grupo de amigos o Infra-realismo, um movimento literário que tenta combater a chamada «cultura oficial».
Durante os anos 70, Bolaño viajou pela Europa e acabou por fixar residência em Espanha, com a mulher e os dois filhos. O autor dedicou os últimos dez anos de vida à escrita, de uma forma febril, até à morte (em Barcelona, em Julho de 2003), aos cinquenta anos.
«Sou muito mais feliz a ler do que a escrever.»

CELINA MANZONI, doutorada em Letras, é investigadora do Instituto de Literatura hispano-americana e professora de Literatura latino-americana na
Universidade de Buenos Aires. Publicou inúmeros artigos em revistas especializadas da América e da Europa.
A sua obra Un Dilema Cubano: Nacionalismo y Vanguardia obteve, em 2000, o Prémio de Ensaio da Casa de las Américas. É ainda autora das obras El Mordisco Imaginário e El Presídio Político en Cuba – Último Diario y otros Textos.

domingo, 27 de novembro de 2011

O Príncipe da Neblina (Carlos Ruiz Zafón)

Quando a família de Maximilian Carver se muda para uma pequena aldeia à beira-mar, o entusiasmo não parece ser muito. A casa é sombria e está associada a uma história triste - a de um casal que, depois de muito tentar, teve um filho apenas para o perder alguns anos mais tarde. Mas há um mistério maior em toda a história e quando, entre estranhos filmes descobertos na casa, um jardim de estátuas que se move e um barco que afundou, mas de onde desapareceram os corpos dos mortos, Max, Alicia e o seu novo amigo Roland acabarão por descobrir a magia de uma forma sombria, através da figura de um mágico (ou algo mais) conhecido como Príncipe da Neblina.
Mais simples, mais curto e destinado a um público jovem, é interessante notar que, se compararmos este livro com as obras mais conhecidas do autor, os elementos essenciais continuam lá. A história é relativamente breve e é a acção o foco principal, não havendo tanta complexidade no enredo nem tanto desenvolvimento a nível de personagens. Ainda assim, mantém-se a beleza da escrita, o ambiente sombrio em que o sobrenatural e o improvável parecem ser uma parte perfeitamente normal do mundo e a força emocional dos grandes momentos.
Há, portanto, ainda que de uma forma menos desenvolvida que, por exemplo, em A Sombra do Vento, uma beleza sombria que se insinua tanto nos cenários (o jardim de estátuas e até a própria casa) como na forma como o passado volta a surgir, interferindo com a vida dos recém-chegados numa história que, apesar da sua simplicidade, parece ter ainda muito potencial por explorar. Além disso, a amizade que se cria entre os jovens contrasta com a dura crueldade de Caín, vilão que, curiosamente, é também uma das figuras mais intrigantes deste livro. Quem é, de onde veio e até onde chegam os seus poderes são apenas algumas das questões que surgem durante esta leitura e é inevitável a curiosidade que fica em encontrar algumas respostas.
Envolvente e com momentos de grande intensidade, principalmente na fase final, fica, em grande parte devido à brevidade da narrativa, a vontade de saber mais sobre algumas personagens e as circunstâncias que as rodeiam. Trata-se, ainda assim, de uma aventura interessante, com a medida certa de emoção e uma interessante aura de mistério a dar interesse ao enredo. Gostei.

sábado, 26 de novembro de 2011

A Segunda Vez (Mary Higgins Clark)

Um acidente de avião leva ao desaparecimento de Nicholas Spencer, figura de topo de uma empresa de investigação médica. Em simultâneo, surge a notícia de que a sua maior promessa - a de uma cura para o cancro - é, afinal, um fracasso e que Nick terá roubado fortunas aos que investiram nessa promessa. Mas nem tudo é o que parece e a jornalista Carley DeCarlo está disposta a descobrir o que realmente aconteceu ao projecto e ao homem que, em poucos dias, passou de herói de muitos a alvo de um ódio geral.
Escrito de forma cativante, ainda que com um ritmo algo pausado, este livro apresenta muitas das características que definem os livros desta autora. Personagens que nunca são o que parecem, um mistério bastante interessante, pequenos momentos de emotivo e uma protagonista que se coloca em risco para descobrir a verdade dão forma a uma narrativa que, apesar de alguns momentos mais parados, mantém constante a curiosidade em saber que explicação final surgirá para todos os mistérios e quanto terá a protagonista de atravessar para encontrar as suas respostas.
Um aspecto muito interessante é, também, a forma como o passado se interliga com o enredo principal. A perda de Carley e a sua ligação algo pessoal a Nick Spencer (mais até que a Lynn, que se serve da relação familiar para conseguir os seus objectivos) são parte do que a torna incansável no esforço de conseguir respostas. Por outro lado, também Ned, aparente vilão (ou um deles) tem no que perdeu e na posição dos que o rodeiam para consigo a força que o move para a compensação possível (segundo os seus parâmetros disfuncionais). Há, aliás, no percurso de Ned uma ameaça que torna mais intrigante o mistério, já que só numa fase avançada se define por completo quanto do mistério é da sua responsabilidade.
Trata-se, portanto, de uma leitura cativante, apesar de alguns momentos mais parados. Uma boa história, com alguns desenvolvimentos interessantes a nível do mundo da investigação e um final bastante marcante. Gostei.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Longo Inverno (Ruta Sepetys)

A vida de Lina muda na noite em que a polícia soviética invade a sua casa. Sonhos e esperanças desvanecem-se para dar lugar à simples luta pela sobrevivência ao longo de uma penosa viagem rumo à Sibéria onde, condenados por crimes que eles próprios mal conseguem conceber, Lina, a mãe e o irmão, juntamente com muitos outros incluídos nas infames listas, se verão obrigados a trabalhar em condições menos que desumanas... ou a deixar a vida ao frio e à fome. Esta é a história de um primeiro Inverno, de uma luta contra indiferença e crueldade, de um testemunho contra o silêncio dos homens e dos tempos. A história de uma rapariga, mas que poderia ser a de tantos outros...
É impressionante a forma como a crueldade - por actos ou por omissões - se reflecte na história de Lina e dos que a rodeiam. Impressionante particularmente pela forma como a autora constrói esta história (que, sendo ficção, se baseia em testemunhos reais), na voz de uma protagonista que, tendo apenas quinze anos, estabelece, no contraste entre a brutalidade de cada dia e a sua inocência e as certezas da juventude, um percurso devastador.
A escrita é simples e directa, reflexo da personalidade da rapariga que nos narra a história. Para Lina, tudo o que vê é certo e, quer na crueldade, quer nas (poucas) acções generosas com que convive (principalmente da parte dos seus carcereiros), é o sucedido que importa relatar. Não há, portanto, grandes divagações ou elaborações, mas simplesmente os acontecimentos tal como teriam sido e as emoções com todo o impacto do momento. Há, pois, um evidente contraste entre a simplicidade do testemunho e a complexidade da situação e é precisamente este contraste que faz deste livro uma obra tão marcante.
Apesar das aparentes certezas da protagonista, nada neste livro é a preto e branco. Cinzento é o ambiente que os rodeia, cinzento o âmbito das decisões dos que têm esse poder (sendo esta ambiguidade particularmente evidente em Kretzky), cinzento o equilíbrio entre uma esperança ténue e um desespero que ameaça suplantar todas as possibilidades. Nada nem ninguém neste livro é simplesmente aquilo que parece ser e, apesar da aparente simplicidade do relato, há tanto mais reflectido nas pequenas situações, nas atitudes e nas palavras mais simples que, entre bem e mal, esperança e desespero, vida e morte... tudo é uma escala de tons e de possibilidades. Há, portanto, uma conjugação perfeita entre o conteúdo e o título original deste livro - Between Shades of Gray.
Importa, por último, referir o final deste livro. Numa história onde as pequenas linhas de esperança são tudo o que há para suster o apego à vida, fica a impressão de algumas perguntas sem resposta, numa conclusão um pouco brusca. Conclusão que, apesar de tudo, faz sentido, uma vez que é o tal "primeiro Inverno", com todas as suas provações, o ponto fulcral deste livro. Seria interessante, ainda assim, depois de tantas demonstrações de amor e lealdade em tempos de desespero, ver quanta da esperança era acertada e quantas promessas foram cumpridas.
Fica, pois, desta leitura, o impacto de uma obra que reflecte a crueldade humana num dos seus pontos máximos, mas também o afecto e a solidariedade quando um pequeno gesto basta para mudar tudo. De leitura compulsiva, emocionalmente devastador e com um poderoso contraste entre inocência e indiferença, um livro impressionante.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Uma Tampa para Cada Tacho (Francisco Dionísio)

A evolução de uma espécie é feita de conflitos e da sobrevivência dos mais aptos. Mas o que define o mais apto? Não é apenas no funcionamento da população ou nas características fenotípicas do indivíduo que se definem os elementos na base da selecção natural. Porque o conflito não é apenas entre grupos ou entre indivíduos, mas dentro do próprio genoma. E é nestes conflitos que se encontram as explicações para factos como a proporcionalidade entre machos e fêmeas em diferentes espécies ou os comportamentos aparentemente altruístas de algumas dessas espécies.
Há muito de interessante para descobrir neste livro. E, tratando-se de uma obra sobre genética, onde surgem uns quantos termos complicados e uma série de teorias diferentes, é relevante referir a forma acessível como o livro é construído. Com exemplos práticos, explicações claras e uma organização cuidada dos diferentes temas, bastam os conhecimentos básicos de genética e/ou biologia para assimilar facilmente os conteúdos deste livro.
Também de referir é a diversidade de exemplos apresentados, tanto a nível do reino animal como das plantas. Há, aliás, todo um capítulo dedicado às plantas e às particularidades do seu sistema reprodutivo (levando, por sua vez, a toda uma série de paralelismos e divergências a nível de conflitos genéticos), sendo este capítulo particularmente esclarecedor na exposição das semelhanças e diferenças existentes.
Trata-se, portanto, de uma leitura muitíssimo interessante no que toca a conflitos genéticos e evolução. Escrita de forma acessível, é um livro de leitura agradável, mas esclarecedor e com muito de interessante para assimilar. Muito bom.

Novidade Bertrand

Stephen King surpreende-nos uma vez mais com a originalidade das suas histórias e o seu talento como escritor. Estações Diferentes é uma colecção de quatro novelas, três das quais foram adaptadas ao cinema.
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Os Condenados de Shawshank narra a história de um homem inocente que concebe um esquema para fugir da prisão.
Na segunda novela, Aluno dotado, adaptado ao cinema com o título Sob Chantagem, King apresenta-nos um menino exemplar que desafia um velho sinistro a despertar um mal há muito enterrado.
Em O Corpo, adaptado ao cinema com o título Conta Comigo, quatro rapazes aventuram-se nos bosques e a sua viagem acaba por se tornar num ritual de passagem da infância à maturidade, com a perda da inocência.
A Técnica da Respiração é uma história macabra acerca de uma mulher determinada a dar à luz e que, para isso, mantém o seu bebé vivo nas circunstâncias mais extraordinárias.

Stephen King, apelidado por muitos de «mestre do terror», escreveu mais de quarenta livros, incluindo Carrie, A História de Lisey e Cell - Chamada para a
Morte. Vencedor do prestigiado National Book Award e nomeado Grande Mestre nos prémios Edgar Allan Poe de 2007, conta hoje com mais de trezentos milhões de exemplares vendidos em cerca de trinta e cinco países. Números e um currículo impressionantes a fazerem jus ao seu estatuto de escritor mais bem pago do mundo.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Livros de Sempre... Para Sempre... (2)

Com o passar dos anos e a descoberta de novos livros, há, inevitavelmente, leituras que acabam por conquistar um espaço especial na memória de quem os lê. Mas há também aqueles que prevalecem, mesmo depois de muito tempo. Esta é mais uma viagem àquelas leituras já distantes, mas que têm, ainda e sempre, um significado especial.

HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN (J.K. Rowling)

Sinopse: Daquela vez Harry Potter não conseguira conter-se. Quebrara uma das regras principais de Hogwarts - não exercer técnicas de feitiçaria fora dos muros da escola. Mas aquela detestável Tia Marge merecia permanecer umas boas horas suspensa no tecto da sala dos Dursleys, inchada como um balão. Além disso já faltavam poucos dias para recomeçar as aulas. Mas o seu terceiro ano não irá ser fácil. Da prisão de Azkaban fugira o feroz Sirus Black, um dos mais fieis seguidores do assustador Lord Voldemort para o que Harry Potter continuava a ser o alvo favorito. O pior é que o herói de J. K. Rowling começa a suspeitar da existência de um traidor entre os seus próprios amigos... O regresso da personagem fantástica que está a conquistar leitores em todo o mundo numa aventura que te enfeitiçará até à última página.

Porque ficou: Desta série que fez parte do meu crescimento pessoal - e que, por isso, marcou em múltiplos aspectos - é este terceiro volume o meu incondicional favorito. Por várias razões. Por uma história que, de forma clara e marcante, fala de lealdade, de afectos que permanecem, de inocência posta em causa e do valor de uma consciência no sítio certo. Por toda uma aventura cheia de acção, mas onde as personagens são um elemento essencial. E, acima de tudo, por uma grande figura - Sirius Black, evidentemente - que reflecte muito daquilo em que acredito e que, pelos seus valores e experiências, se tornou numa das minhas personagens favoritas.

O CLUBE DUMAS (Arturo Pérez-Reverte)

Sinopse: Pode um livro ser alvo de investigação policial como se de um crime se tratasse? Podem as suas páginas ser encaradas como pistas para um mistério com três séculos?
Lucas Corso, especialista em descobrir edições raras, está a tentar responder a este enigma quando é incumbido de uma dupla missão: autenticar um manuscrito de Os Três Mosqueteiros e decifrar o mistério de um livro queimado em 1667 e que, afirma a lenda, foi co-escrito por Satanás.
Dos arquivos do Santo Ofício às poeirentas estantes dos alfarrabistas e às mais selectas bibliotecas internacionais, Corso é atraído para uma teia de rituais satânicos, práticas ocultas e duelos com um elenco de personagens estranhamente semelhante ao da obra-prima de Alexandre Dumas. Auxiliado por uma beldade misteriosa com o nome de uma heroína de Arthur Conan Doyle, este «caçador de livros« parte de Madrid rumo a Paris, passando por Sintra, em perseguição de um sinistro e aparentemente omnisciente assassino.
Parte mistério, parte puzzle, parte jogo intertextual, O Clube Dumas é uma das obras emblemáticas de um dos mais reputados escritores da actualidade. Foi adaptado para o cinema sob o título A Nona Porta, realizado por Roman Polanski e protagonizado por Johnny Depp.

Porque ficou: Um protagonista peculiar, uma história cativante e uma escrita soberba são as características essenciais deste mistério em volta dos livros. Envolvente, cheio de surpresas e bastante mais complexo que a adaptação a filme, é, por vezes, uma leitura um pouco densa. Apesar disso, é um trabalho impressionante e tornou-se num dos meus livros favoritos.

A MÃO ESQUERDA DAS TREVAS (Ursula K. Le Guin)

Sinopse: Livro vencedor dos Prémios 'Hugo' e 'Nebula' (1969) traça um caminho de extrema originalidade por um mundo gelado de seres andróginos. Genly Ai é enviado para o planeta Gethen por uma federação interestelar, o Ecuménio. Governado por um rei extravagante, a estranheza deste universo acentua-se na multiplicidade de géneros sexuais, em que os seres podem ser simultaneamente mães e pais de diferentes crianças. Genly, o enviado para esta missão sofre uma mudança de pensamento e aprende a aceitar as diferenças abismais que encontra na forma de relacionamento entre estes seres.
Le Guin explora criativamente os temas da identidade sexual, incesto, xenofobia, fidelidade e traição deixando, como na maior parte dos seus trabalhos, uma poderosa mensagem social que nos convida a ir além do racismo e sexismo. Um livro fascinante do princípio ao fim descrito como “um brilhante rasgo de imaginação” e considerado um dos grandes romances do século XX. Um imperdível clássico de ficção científica.

Porque ficou: um sistema impressionante, temas relevantes abordados de forma cuidada e que apelam à reflexão e também uma história impressionante, com personagens muitíssimo bem construídas e a medida ideal de emoção. Fascinante em todos os aspectos, marcou desde a primeira página... e bem para além da última.

O Dom (Richard Paul Evans)

Para Nathan, o Natal servia apenas para trazer de volta lembranças dolorosas. A sombra do passado continuava - e continuaria - a atormentá-lo e, por isso, o que era para os outros uma época festiva, para ele era apenas um dia para recordar um momento terrível. Mas tudo muda quando uma tempestade de neve o deixa retido num aeroporto, onde conhece Addison e os seus filhos. Um dos quais tem um dom peculiar e uma história que vai mudar as suas vidas.
Não será surpresa para ninguém que, num livro como este, seja o lado emocional o elemento que se destaca. Amor nas suas diversas formas, mas também amizade e lealdade são valores que desempenham neste romance um papel essencial. Tanto na história de Nathan, com a sua descoberta do amor, a necessidade de seguir em frente, apesar da experiência traumática do passado, e o contacto com uma cura que é muito mais que apenas uma recuperação física, como na história do próprio Collin, criança com um dom especial, não apenas na sua capacidade de curar, mas principalmente na postura serena e sensata com que encara o mundo e considera as suas decisões - mesmo quando pressionado por quem o devia proteger.
Trata-se de uma história que, no essencial, é bastante simples. A escrita é directa e sem grandes elaborações e, mesmo no desenvolvimento da narrativa, há momentos que poderiam ter sido mais aprofundados. Ainda assim, a mensagem é forte e é fácil sentir empatia com as personagens principais, mesmo quando algo de trágico se insinua e o final feliz que se esperava começa, talvez, a ser posto em causa.
Emotivo e cativante, um livro envolvente na sua simplicidade, marcante na sua força emotiva e que, apesar de alguns momentos em que talvez houvesse mais para dizer, apresenta uma interessante história sobre laços que se criam... e que se perdem. Gostei.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Tecedor de Sonhos (Trudi Canavan)

Para Auraya, a vitória dos Brancos não foi o final dos seus problemas. Pesadelos recorrentes atormentam as suas noites e a única solução que lhe proporcionaria algum alívio é, tendo em conta a sua posição, inaceitável. Além disso, a sua missão implica criar uma união que poderá ser prejudicial para os seus aliados e este conhecimento atormenta-a. Entretanto, longe do seu alcance, Leiard luta com as memórias de um líder há muito perdido, mas que julga ter tomado posse do seu corpo. As suas memórias fundem-se com as do lendário Mirar ao ponto de nenhum deles saber a quem pertence, verdadeiramente, o corpo que partilham. E, enquanto os Pentadrians recuperam da sua pesada derrota, serão as revelações de Leiard e Auraya a mudança no caminho dos deuses... e dos que os seguem.
Se, do primeiro volume, se evidenciavam o ritmo pausado e a vastidão de um mundo com muito para assimilar, mas construído de forma cuidada e descrito com fluidez, O Tecedor de Sonhos acrescenta agora uma maior diversidade de perspectivas. Ao explorar mais a fundo o ponto de vista dos Pentadrians, a autora desenvolve um novo culto que, sendo inimigo dos Adoradores do Círculo, tem com este uma série de paralelismos - tanto nos ritos como nas alianças estabelecidas. Isto serve como base para uma interessante reflexão sobre as diferentes opções religiosas, e dá início a um percurso que mudará a situação de ambos os cultos (e dos seus líderes). Além disso, ao percorrer diferentes perspectivas - Selvagens, Tecedores de Sonhos, Adoradores do Círculo, etc. - a autora dá ao seu mundo uma maior complexidade, tanto a nível de ambientes como de narrativa e até de personalidades em interacção, já que há vários pontos de vista a seguir neste livro.
Há, portanto, muitas personagens que se destacam e muitas intrigas que se cruzam. Emerahl na sua busca pelos seus iguais, Auraya na sua capacidade de questionar e de compreender as consequências de cada escolha, Leiard e Mirar na sua dualidade... Tudo isto faz com que, apesar do ritmo pausado e da escrita algo descritiva (ainda que menos no primeiro volume), a leitura nunca perca a envolvência, mantendo-se a curiosidade em saber o que virá depois, quer no crescimento e nas escolhas das personagens, quer na interacção entre os vários grupos.
O final não tem um impacto tão vasto como o do primeiro volume, sendo antes mais pessoal, mais centrado nas escolhas próprias das personagens. Termina, aliás, com uma série de perguntas sem resposta, deixando no ar muitas possibilidades para o que poderá suceder no volume final.
Com um muito interessante equilíbrio entre a situação global do mundo apresentado e os dilemas pessoais das personagens, O Tecedor de Sonhos apresenta (tal como o primeiro volume) uma história cativante, com a dose certa de emoção e reflexão, várias personagens carismáticas e um mundo cheio de intrigas e possibilidades. Recomendo sem reservas.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A Última Testemunha de Auschwitz (Denis Avey com Rob Broomby)

Denis Avey alistou-se no exército porque ansiava por aventura. E conseguiu-a. Nalgumas das suas experiências teve sorte. Depois, tudo mudou e foi feito prisioneiro e, após um longo e duro percurso, acabaria por se encontrar num campo de prisioneiros de guerra próximo de Auschwitz III - Monowitz. Aí, conheceria a luta pela sobrevivência dos judeus que, tão perto, trabalhavam para resistir por mais um dia ao extermínio iminente. E, sentindo a necessidade de testemunhar, por duas vezes Avey ocupou o lugar de um outro homem e entrou a Auschwitz, movido pelo impulso de saber. De poder contar a história de tantas vidas, caso ele próprio sobrevivesse.
É inevitável que, ao partir para a leitura de um livro como este, venha à memória a obra de Primo Levi. Aliás, esta chega a ser referida neste testemunho. Trata-se, contudo, de uma visão bem diferente. Denis não viveu em primeira mão a devastadora experiência dos prisioneiros de Auschwitz, mas conheceu-a de perto. E isso bastou para deixar marcas que transparecem nesta história, mesmo que contada apenas depois de muitas décadas a viver com o trauma.
Distinguem-se três partes muito distintas neste livro e é, principalmente, o tom que as define. A experiência no exército reflecte, em certa medida, a satisfação de um homem que encontrou a aventura que buscava, mas também a luta contra dificuldades e uma mente alerta e responsável. Já do seu percurso como prisioneiro, que culmina com o tempo de trabalho forçado na IG Farben e com a visão próxima do que foi Auschwitz III, o que se evidencia é medo, seguido de um horror inevitável e de uma percepção do ínfimo valor de uma vida naquele lugar. Por último, surge o regresso à liberdade e uma recuperação que, ao longo de décadas a viver com o trauma, sem qualquer ajuda e guardando na memória uma história que ninguém queria ouvir, nunca seria total, mesmo ao descobrir a conclusão de histórias começadas com um gesto de ajuda em cenário de devastação.
Escrito de forma directa, dando voz à emoção do narrador que testemunha, mas tendo os duros factos como ponto fulcral, este é um livro que marca pela forma clara e dolorosa como reflecte o auge da crueldade humana. É também, por isso, um relato essencial para acontecimentos que nunca devem ser esquecidos.

domingo, 20 de novembro de 2011

Palavras Escuras (Gena Showalter)

Para Sabin, a vitória era o mais importante e justificava qualquer sacrifício. Mas isso mudou no dia em que, num ataque aos Caçadores, o seu caminho se cruzou com o de Gwen. Também ela uma poderosa imortal aprisionada pelos Caçadores, Gwen será, para Sabin, a força a abalar tudo aquilo em que acredita. Porque a necessidade de a proteger e de a amar falará mais alto que todas as suas dúvidas... inclusive as do seu demónio.
Romance e sensualidade têm sido elementos essenciais ao longo desta série e este livro não é excepção. É, pois, na relação entre os protagonistas que se encontra o ponto central da história. Ainda assim, e isto acontece de forma mais evidente que nos livros anteriores, não é o romance entre o casal o único ponto de relevo, havendo notáveis desenvolvimentos a um nível mais global. O conflito entre Caçadores e Senhores do Submundo torna-se cada vez mais complexo, com a descoberta de algumas relíquias, algumas associações inesperadas e a disponibilidade dos Caçadores em fazer tudo o que for necessário para satisfazer o seu fanatismo. Isto faz com que, neste livro, haja vários interessantes momentos de acção, um bom equilíbrio entre o romance dos protagonistas e a história das restantes personagens e alguns acontecimentos surpreendentes a nível do conflito.
Se, a nível de emoção, o destaque vai inevitavelmente para o amor, há outras relações que se evidenciam e sentimentos que se desenvolvem de forma, talvez, mais marcante. Trata-se, é claro, da amizade e da lealdade entre os vários Senhores do Submundo, aqui particularmente evidente na interacção entre Aeron e Paris, mas também na presença de Legião e até na forma como todos aceitam (e chegam a auxiliar) na mudança operada sobre Sabin. Já no romance, há algumas indecisões da parte dos protagonistas que parecem um pouco exageradas, mas os momentos mais emotivos estão muito bem conseguidos e compensam amplamente esse aspecto. Há também alguns elementos que poderiam ser mais desenvolvidos a nível do conflito global, mas este é um aspecto que tem vindo a ser trabalhado ao longo da série e que tem revelado uma evolução interessante.
Cativante, emotivo e com muito de sensualidade, Palavras Escuras é, tal como os livros anteriores, uma leitura agradável, com bons protagonistas, alguns momentos muito bons e um sistema bastante interessante. Gostei.

sábado, 19 de novembro de 2011

Livrai-nos do Mal (Romain Sardou)

Numa paróquia remota, conhecida pelos seus prodígios, a chegada de um grupo de homens de negro que raptam uma criança, deixando outra morta, vem abalar a tranquilidade. Mas o pároco tem mais motivos que qualquer um para recuperar o rapaz e não vê outra opção que não seguir o rasto dos seus raptores. Entretanto, em Roma, um célebre investigador é contactado pela irmã de um jovem, que, na sequência do seu trabalho para um cardeal, desapareceu sem deixar rasto. Os dois casos não parecem ter qualquer relação... mas há interesses poderosos a controlar o aparecimento de supostos milagres e, sem conhecer o caminho do outro, tanto o padre como o investigador se encontram envolvidos numa trama perigosa que diz respeito a grandes figuras da Igreja.
É com uma escrita directa, mas com bastante atenção aos pormenores relevantes, e através da acção de várias personagens interessantes, que o autor constrói esta curiosa fusão de thriller e romance histórico com um toque de fantástico. E há bastante de bom nos diferentes aspectos: o ritmo acelerado que marca o percurso da investigação, numa corrida contra o tempo onde há vários adversários poderosos alia-se à teia de interesses e intrigas no seio da sociedade eclesiástica, servindo o toque de magia proporcionado pelas crianças dotadas para tornar mais surpreendente uma história que é já bastante cativante. Ficam, é certo, alguns aspectos por explicar, mas o essencial é desenvolvido de forma cativante e, estando este livro relacionado com outra obra do autor, é natural que alguns elementos sejam referidas de forma mais passageira, evocando aspectos explorados no passado, ou talvez preparando futuras revelações.
Trata-se também de um livro marcado por várias reviravoltas e isto é particularmente evidente na investigação de Benedict Gui. O que parte da simples vontade de auxiliar uma rapariga na busca do irmão desaparecido cedo evolui para algo mais e é interessante notar como, num enredo onde quase ninguém é o que parece, a mente de Gui consegue, apesar de tudo, estabelecer ligações, permitindo-lhe reagir ante circunstâncias delicadas. Gui é, na verdade, a mais carismática das personagens desta obra, com o seu poder de raciocínio e dedução aliados a um passado que, ainda que brevemente referido, basta para criar empatia.
De leitura agradável e cheio de surpresas, apesar de um final que, mudando tudo o que o leitor esperava, acaba por ser, talvez, um pouco abrupto, Livrai-nos do Mal é, em suma, um livro cativante, com momentos surpreendentes e personagens que deixam sempre vontade de saber mais. Um bom livro.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A Carta (Sarah Blake)

1940. Para os americanos, a Segunda Guerra Mundial é ainda um problema distante. Os acontecimentos chegam apenas através da voz dos jornalistas que percorrem Londres, onde, noite após noite de bombardeamentos, têm como objectivo único contar a história aos seus ouvintes. Mas há algo mais para Frankie Bard. Para ela, a história não é apenas uma sequência noticiosa: são as vozes dos que perdem os que lhe são mais próximos, dos que procuram, em desespero, por uma alternativa que sempre lhes será negada, dos que, a cada noite de terror, não sabem se voltarão a ver o novo dia. E a sua visão do cenário de guerra será ainda mais abalada na noite em que conhece Will Fitch, o marido da mulher que, longe, espera o seu regresso, sem saber que há uma carta guardada, à sua espera, como prenúncio de uma possível tragédia.
Este é um livro que provoca sentimentos contraditórios. Por um lado, há um tema que é, à partida, de um fortíssimo impacto e que, nos melhores momentos do livro, é abordado de forma intensa e comovente. Nos relatos de Frankie Bard, na sua insistência em não permitir que o que vê caia no silêncio do tempo e, mais tarde, na sua necessidade de transmitir a Emma o que viu no dia em que conheceu o seu marido são apenas alguns dos episódios que servem de base a uma reflexão sobre o que é a guerra e que perdas representa. Por outro lado, há um ritmo que é, na globalidade pausado e que, nalguns momentos, se torna um pouco aborrecido, principalmente na fase inicial, em que o caminho das personagens principais parece não ter grande relação.
Não é uma história que cative desde a primeira página. É com o decorrer dos acontecimentos - mesmo com aqueles que parecem ser menos relevantes, quando comparados com as grandes situações de Londres e da atribulada viagem de Frankie - que o impacto emocional se vai fazendo sentir. Além disso, há grandes diferenças entre as mulheres que protagonizam o livro. Iris, determinada, mas com dúvidas que esconde do mundo, deposita no sistema com que gere o correio a sua fé de que nenhuma mensagem ficará por transmitir, mas, quando chega a hora da verdade, também ela hesita. Por sua vez, a frágil e apaixonada Emma descobre as suas próprias forças quando, confrontada com um silêncio que não pressagia nada de bom, se força a persistir com a possível normalidade. Por fim, Frankie, sem dúvida a personagem mais carismática e cativante do livro, descobre, com a sua visão da guerra, que, por mais que o mundo queira ignorar, a voz da perda falará sempre mais alto. E é na viagem de descoberta de Frankie que está o melhor deste livro: no seu caminho de histórias incompletas, cujo fim talvez nunca venha a conhecer, mas que existem. E ela sabe que existem. E isso basta.
Fica, pois, deste livro, a impressão de uma narrativa um pouco desequilibrada a nível de ritmo, com momentos um pouco lentos a contrastar com a intensidade emocional das situações mais intensas. Ainda assim, o balanço é positivo, principalmente pela história de Frankie, mas também por algumas reflexões que permanecem importantes e que a autora apresenta com uma clareza marcante. Gostei.

Novidade Bertrand

A pequena Isabelle, de onze anos, não diz uma palavra há quase um ano. Desistiram dela quatro psiquiatras, classificando o seu silêncio como impenetrável. Os seus pais sentem-se incrédulos e aterrorizados com o isolamento da filha e com o facto de gradualmente estarem a perder o controlo sobre a vida familiar. A escola de Isabelle, que até agora tomou a atitude extraordinária de a deixar fazer os testes e trabalhos em casa, está prestes a expulsá-la, obrigando os seus pais a confrontarem-se com a possibilidade de aquilo que julgaram tratar-se de uma extravagância de adolescente, uma fase, ser afinal uma transformação definitiva, um isolamento de onde a filha poderá nunca vir a sair.
Dezembro dá vida a um quadro inesquecível de uma família em crise e de um mês na vida de uma rapariga inteligente e fascinante, encerrada num isolamento criado por si própria e do qual só ela pode decidir libertar-se.

Elizabeth Hartley Winthrop nasceu em Nova Iorque. Este é o seu segundo romance, mas tem vários contos editados em diversas publicações. Atualmente, vive na Georgia.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Em Carne Viva (Nadia Ghulam e Agnès Rotger)

Para Nadia, tudo mudou quando a guerra chegou ao Afeganistão e uma bomba atingiu a sua casa. Tinha então oito anos e a vida tal como a conhecia desapareceu. Depois de uma longa recuperação em circunstâncias complicadas, Nadia tem de aprender a viver sobre as novas regras do regime talibã. E, quando a família precisa da sua força para subsistir, Nadia põe de parte a própria identidade e decide procurar trabalho da única forma possível: disfarçando-se de rapaz.
Comparativamente a outras histórias deste género, há algo que imediatamente se destaca. No caso de Nadia, não é na família e nas suas crenças religiosas que reside o problema. O que transparece, aliás, é uma vida normal como ponto de partida, uma vida abalada pela guerra, que leva Nadia e a sua família a encontrar novos caminhos de subsistência. É, talvez, essa normalidade que define uma vontade que é clara no discurso de Nadia: o desejo de ser dona da sua vida, de atingir uma normalidade que lhe permita sempre viver. E isto é evidente tanto na duplicidade de viver como ela própria e como rapaz, como na necessidade de se dobrar a exigências (nalguns casos, de índole duvidosa) de algumas organizações, de modo a conseguir alguma ajuda.
A história é marcante, claro, mas, tanto como a luta pessoal de Nadia, há dois aspectos em particular que importa referir. Um deles é o tom da narrativa, sereno, recordando o passado de forma empática, mas sem grandes dramatismos. O outro é o retrato da cultura e das mudanças que cada conflito operou sobre o quotidiano no Afeganistão. Diferenças a nível do papel da mulher, mas também a nível de exigências religiosas e mesmo de interacção social.
Mais que uma simples história de sobrevivência, trata-se, portanto, do retrato de um povo em tempos conturbados. E também de uma história real, contada de forma directa, sobre o crescimento de uma rapariga a descobrir o seu papel num mundo de conflitos e dificuldades. Uma leitura marcante, em suma.

Convite

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

7 Ideias Filosóficas que Toda a gente Deveria Conhecer (Desidério Murcho)

Expressões como "Só sei que nada sei" ou "No meio é que está a virtude" são, nos dias que correm, sobejamente conhecidas. Mas e quanto às ideias que as definem? Este livro sintetiza, em menos de cento e cinquenta páginas, o essencial sobre uma série de ideias filosóficas que, de base mais ou menos conhecida, têm todo um conteúdo mais amplo a aprofundar.
Escrito de forma acessível e apresentando de forma sucinta e cativante cada uma das ideias que se pretende explorar, este livro funciona como uma interessante base para a descoberta da filosofia. Não são necessárias grandes leituras prévias para assimilar os conteúdos apresentados. O que fica, aliás, é a curiosidade em aprofundar mais, em conhecer mais e, para isso, é relevante referir a lista de possíveis leituras apresentada no final deste livro. Trata-se, portanto, de uma boa leitura introdutória, que transmite uma ideia geral bastante clara de algumas temáticas filosóficas importantes.
Se a globalidade é abrangente e interessante, também a forma como cada uma das ideias é abordada é um elemento crucial para o interesse dessa globalidade. Com uma breve contextualização histórica para a época e o pensamento em que cada uma das ideias surgiu, é possível associar cada ideia ao seu contexto. Ao apresentar os principais focos de discussão associados a essa ideia, levanta-se uma série de questões interessantes.
Este é, portanto, um livro que estimula a descoberta de mais conhecimento. Apresentando com clareza as bases de vários temas, leva o leitor a reflectir sobre cada um deles e a querer saber mais. Trata-se, por isso, de uma boa porta aberta para a descoberta da filosofia. E, por tudo isto, de uma leitura que apreciei.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os Últimos Dias de Pôncio Pilatos (Paula de Sousa Lima)

Consumido pela culpa da morte cruel a que entregou um homem justo - culpa que não se atenuou com a passagem dos anos -, Pôncio Pilatos escreve as suas memórias. Sabe que o tempo é escasso. Vê-o no rosto de Cláudia. Mas sabe também que é essa a sua missão. Já, Cláudia, sua esposa, sabe coisas que mais ninguém vê. Tem o dom da premonição. E sabe, por isso, que tem também um destino a cumprir. Cruzam-se, pois, memórias de um passado, de vidas que se ligaram ante a figura do Nazareno, de sombras e de memórias que prevaleceram, num império de intrigas e de perseguidos, onde vive, apesar de tudo, uma mensagem de esperança.
Algo que se destaca desde o início deste livro é o estilo de escrita. Numa forma muito própria, com uma estrutura invulgar e um tom marcado por momentos poéticos, nota-se uma forma de expressão que, a início, exige atenção constante, mas que, assimiladas as suas peculiaridades, se torna fluído no ritmo e belo na forma como dá vida a momentos e sentimentos.
Se a escrita é invulgar, também a estrutura da narrativa o é. Não há uma linha temporal definida desde o início, oscilando entre diferentes momentos na história ao ritmo da memória e da emoção. De Pôncio vemos a sua luta com a narrativa que tem de escrever, mas também as suas memórias da condenação do Nazareno, a sua intensa ligação a Cláudia e, por fim, o caminho dos seus últimos dias. De Cláudia, por sua vez, uma outra visão da sua ligação ao marido, mas também o sentido da sua missão, o seu caminho entre os seguidores do Nazareno, os olhos com que contempla a perseguição e a morte - sabendo de antemão que o que virá tem de suceder. E há ainda uma outra voz que se cruza com a dos dois protagonistas, a de um narrador que ora se distancia, nas referências a um futuro distante, ora se aproxima, quase tocando a mente daqueles cuja história observa.
Trata-se, pois, de um livro que, apesar de relativamente curto, se revela como surpreendentemente complexo. Tanto pela escrita, invulgar, mas de uma beleza impressionante, mas pela forma profunda e emotiva como a autora constrói a narrativa. Muito bom.

Convites



Novidade Oficina do Livro

Os factos são reais. No Carnaval de 1943 três navios alemães e um italiano, todos civis, foram incendiados e afundados, pelos próprios tripulantes, no porto de Mormugão, no então Estado Português da Índia. Resistiam assim a um ataque do SOE britânico, o serviço de operações especiais encarregue da “guerra não cavalheiresca”. Para proteger os interesses aliados, as autoridades portuguesas condenaram judicialmente os tripulantes, dando como não provado que tivessem resistido a uma tentativa de apresamento, com violação da nossa neutralidade. Ao erro judiciário seguiu-se a propaganda: para os britânicos, o fiasco da expedição foi convertido em vitória. Só os portugueses saíram mal do incidente. Salazar teve de intervir junto do poder judicial e o silêncio caiu sobre a história. Este livro tenta repor a verdade, para além das conveniências.

José António Barreiros é advogado. Tem-se dedicado à escrita jurídica e ao ensaio histórico, como a apresentação de O Príncipe de Maquiavel e nomeadamente no sector dos estudos sobre a guerra secreta em Portugal nos anos 1939-1945. Publicou os livros A Lusitânia dos Espiões, colectânea de artigos; O Homem das Cartas de Londres, biografia de Rogério de Menezes, agente do Eixo; Uma Agente Dupla em Lisboa, biografia de Nathalie Sergueiew, do XX Committee; O 13º Passageiro, sobre a fatídica viagem do actor Leslie Howard a Lisboa e Traição a Salazar, sobre actuação do SOE em Portugal. Traduziu e prefaciou a narrativa histórica Eu roubei o Santa Maria de Jorge Soutomaior. Na área da ficção, é autor de Contos do Desaforo e do romance Não se Brinca com Facas.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Vidas Surpreendentes, Mortes Insólitas da História de Portugal (Ricardo Raimundo)

Trata este livro de várias figuras relevantes na História de Portugal cuja morte pode ser considerada invulgar - quer pela forma como ocorreu, quer pelas circunstâncias inexplicáveis em que, tendo em conta o seu papel na História, a morte os encontrou. Descrições sucintas da sua vida e das circunstâncias que os conduziram à morte apresentam, de forma directa e acessível, mas esclarecedora, uma série de episódios que oscilam entre o peculiar e o simplesmente triste, associados a figuras que (algumas delas após um longo período de esquecimento) acabaram por ficar para a posteridade, mas cujo fim foi, por diversas razões, insólito.
Se o tema deste livro pode, à partida, parecer um pouco mórbido - sendo, afinal de contas, a descrição aproximada da morte e/ou dos últimos dias de várias figuras históricas - a verdade é que há muito de interessante para descobrir nesta leitura. Se alguns nomes são facilmente reconhecidos, outros há que são de mais discreta fama. E se, para alguns, é a forma como morreram que se destaca como insólita, não é por isso menos relevante o percurso da sua vida. De referir, portanto, como ponto muito positivo, o cuidado em acrescentar ao relato das circunstâncias da morte, uma sucinta apresentação da vida de cada figura abordada.
Sendo o conteúdo o essencial neste livro, importa também referir a forma como o autor constrói cada relato, criando quase uma proximidade ao referir, em certa medida, os valores e as paixões da pessoa em causa. Também isto contribui para tornar cativante este interessantíssimo livro.
De leitura acessível, mas preciso e esclarecedor na forma como, em poucas páginas, resume a vida e a morte de figuras essenciais da História, fica deste Vidas Surpreendentes, Mortes Insólitas da História de Portugal a imagem global de um livro muitíssimo interessante, percorrendo de forma sucinta e clara os momentos e as principais figuras da História do país. Muito bom.

Novidades Bizâncio para Novembro

Título: Liszt – Vida e Obra
Autor: Malcolm Hayes
Colecção: Vida e Obra, 10
ISBN: 978-972-53-0499-0 Código de Barras: 9 789 725 304 990
Págs.: 240
Preço: Euros 15,57 / 16,50
Música, Biografia
Inclui 2 CDs de música que percorrem toda a carreira de Liszt

Talvez o maior pianista de sempre, Liszt, cujo bicentenário agora se celebra, foi uma das figuras musicais mais marcantes do Romantismo. Abandonando a sua espectacular carreira de virtuoso itinerante com apenas 35 anos, este amante apaixonado e pai afectuoso dedicou-se a uma vida de compositor, maestro, professor e, cada vez mais, devoto religioso. Esta biografia explora uma vida apaixonante vivida durante longos períodos em França, na Suíça, na Alemanha, em Itália e na terra natal do compositor, a Hungria — um caleidoscópio de mundos cuja cultura e paisagens coloriram sumptuosamente a música de Liszt.

Título: Baby Blues 28 – Corta!
Autor: Rick Kirkman e Jerry Scott
Colecção: BD
ISBN: 978-972-53-0497-6 Código de Barras: 9 789 725 304 976
Págs.: 132
Preço: Euros 11,90 / 12,61
Banda Desenhada

Dirigido por Kirkman e Scott, Corta! é uma filmagem a partir do interior do lar dos MacPherson, uma família perfeitamente normal com vidas perfeitamente caóticas. Este 28.º volume de Baby Blues continua a ilustrar magistralmente porque é que nunca há pensos rápidos em stock, de que forma as tagarelices e as provocações rapidamente degeneram em castigos e porque é que as visitas ao dentista ou ao mecânico ocorrem sempre em alturas de desequilíbrio orçamental.

Título: Terra Crua – Arquitectura de Natureza
Autor: Paulo Caetano e Rui Vasco
ISBN: 978-972-53-0491-4 Código de Barras: 9 789 725 304 914
Págs.: 168
Preço: Euros 25,94 / 27,50
Arquitectura

Em pleno século xxi há quem volte a erguer edifícios feitos de terra crua, como em tempos imemoriais já os nossos antepassados faziam para se abrigarem dos elementos e das feras. Este renascimento de uma das mais antigas tecnologias de construção oferece-nos, hoje, estruturas de grande resistência sísmica, confortável isolamento térmico e pegada ecológica mínima – a terra é abundante, grátis, dispensa fábricas e evita a poluição.
Paulo Caetano, acompanhado pela objectiva reveladora de Rui Vasco, descobre de seguida os protagonistas desta revolução pela via da tradição: arqueólogos, engenheiros, arquitectos, artesãos... todos são aqui convocados para explicar, ilustrar, contar uma outra forma de construir e de habitar. Abra as páginas de Terra Crua e receba as boas-vindas a um mundo simultaneamente antigo e novo, da alcáçova árabe de Mértola a projectos arrojados ainda em construção.
Entre. Sinta-se em casa.

Novidade Bertrand

Num futuro próximo, em que a manipulação genética e a neurociência ameaçam a autodeterminação do indivíduo e a unidade da espécie humana, Sakùntala e Rogan exploram desejos e paixões através de um diálogo sem tabus nem inibições. O seu amor, exclusivo e fiel, constrói-se à medida que se vão conhecendo e que vão vivendo experiências eróticas e sentimentais sempre novas.
Através dos seus diálogos, vamos descobrindo um mundo no qual a programação genética vai conduzindo a humanidade a um sistema de castas e à abolição da liberdade de escolha individual, um sistema contra o qual se batem os protagonistas, arriscando a própria vida.
Acima de tudo, exploramos com os dois amantes o derradeiro reduto que é o sexo, o meio através do qual homens e mulheres podem alcançar a mais profunda das intimidades.

Popular sociólogo italiano, Francesco Alberoni nasceu em 1929, em Piacenza, Itália. Licenciado em medicina pela Universidade de Pavia, estudou psicanálise e estatística, tendo desenvolvido investigação no campo das probabilidades. Tornou-se professor de sociologia em 1964, primeiramente em Milão, a que se seguiu Trento, Catania, Lausanne e novamente Milão. Desenvolveu uma teoria dos movimentos colectivos, patente nos seus livros Estado Nascente (1968) e Movimento e Instituição (1977).
Alberoni adquiriu renome mundial após a publicação de Enamoramento e Amor (1979), o seu livro mais traduzido e mais vendido. Foi como estudioso do sentimento amoroso que Alberoni encontrou popularidade. Ao dedicar-se a um tema comum até então desprezado pela sociologia, Alberoni levou esta ciência até junto dos leigos, facto pelo qual é louvado por uns e criticado por outros.

domingo, 13 de novembro de 2011

De Olhos Pousados em Deus (Zora Neale Hurston)

No dia em que a viu dar o primeiro beijo, a avó de Janie decidiu que estava na altura de a casar. E a vontade da neta era irrelevante, quando comparada com os planos que a avó criara para o seu futuro. Começa assim o percurso de uma rapariga cheia de sonhos e de ilusões, determinada naquilo em que acredita, mas obrigada a viver segundo as regras e as ideias do seu tempo. Uma história de amor(es), da descoberta de si mesma e de um mundo em que os preconceitos são demasiado globais para ignorar.
Este é um livro que exige atenção a quem o lê. Por vários motivos. Primeiro, a forma de falar das personagens exige uma certa adaptação da parte do leitor, o que torna a leitura um pouco lenta, a princípio. Depois, há muito na história de Janie que reflecte o mundo à sua volta e isto apela, em muitos aspectos, a uma reflexão atenta. Preconceitos raciais, o papel da mulher num mundo de homens, o casamento exigido pelos costumes (deixando de parte os afectos e tendo em conta principalmente outros interesses) são apenas alguns dos grandes temas abordados ao longo da narrativa. E é curioso a forma como a autora apela à reflexão sobre todos estes temas, numa história que é, afinal, relativamente curta (há, inclusive, alguns momentos em que as coisas parecem acontecer de forma um pouco abrupta), mas onde há muito para descobrir.
Janie é uma figura fascinante, quer na sua natureza, quer no seu percurso de crescimento. Da rapariga que julgava que o amor viria com o tempo de casamento, à mulher que se submete às vontades do seu segundo marido e até à pessoa que se descobre a si mesma no verdadeiro amor que impõe apenas as restrições de uma vida em conjunto e não o esforço de uma vida adequada às aparências, Janie é, em tudo, um reflexo do seu tempo. E é aos poucos que esta protagonista conquista o leitor, com as suas escolhas, as suas pequenas contradições e o coração aberto que contribui para que o final tenha, por fim, o impacto emocional que tem.
Retrato preciso de uma época de preconceitos, de apego aos costumes e até de algumas contradições (e aqui importa ainda referir o posfácio e as notas finais, muito esclarecedoras a nível de contextualização do romance), De Olhos Pousados em Deus é uma obra com muito que assimilar e que, a princípio, exige ao leitor uma boa medida de atenção. Marca, contudo, principalmente pela força com que aborda os temas importantes e pela posição da protagonista perante a vida. Gostei.

sábado, 12 de novembro de 2011

O Segundo Cerco (Henry H. Neff)

A chegada das Feiticeiras a Rowan, juntamente com o conhecimento de que o livro de Tot está em perigo, tornam imperioso um plano de acção. Astaroth está livre e, caso o livro chegue às suas mãos, o mundo tal como ele é deixará de existir, dando lugar a uma nova era. Mas poucas opções se vislumbram para impedir que tal aconteça e há muito poucos em quem se possa confiar. Por isso, Max e David terão de deixar a segurança de Rowan e, orientados por Cooper, um dos Agentes, descobrir onde se esconde o livro e de que forma o podem proteger. Mas o Inimigo está à espreita...
Um dos aspectos interessantes neste segundo volume é a forma como a história se expandiu, desenvolvendo-se para lá de Rowan e através de cenários diferentes e interessantes. Lugares como o Sidh e a Oficina de Frankfurt destacam-se pela sua diferença natural, enquanto que pontos de passagem como a loja do livreiro espanhol contribuem não só para o desenvolvimento do enredo, mas também para mostrar de que forma o mundo exterior mudou.
Além disso, esta diversidade de cenários serve também para mostrar o crescimento das personagens. Para David e Max, o desenvolvimento dos seus poderes implica mudanças e uma certa medida de conflito interior. Além disso, os diferentes interesses em jogo - já que, dada a complexidade das circunstâncias, cada facção defende os seus - impõem uma necessidade de reflexão antes de agir e também isto contribui para um maior crescimento das personagens.
Ainda de referir o final inesperado. Sendo a luta entre o bem e o mal (com algumas variantes) um elemento essencial da história, é surpreendente ver como o autor foge à clássica conclusão (pelo menos, neste volume, já que a série continua) em que, por alguma reviravolta, os heróis resolvem tudo. Aqui, o final é adequado ao rumo dos acontecimentos, a escolha é difícil e muito fica em aberto para o que virá depois.
Escrito de forma envolvente, com um ritmo de acontecimentos cativante e um maior desenvolvimento a nível de mundo e de personagens, O Segundo Cerco apresenta para as aventuras de Max e de David uma continuidade muito interessante. Fica a curiosidade em ver o que virá a seguir.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Perdida (Mo Hayder)

Quando Jack Caffery toma contacto com o caso, a história parece ser bastante simples: um caso de carjacking que correu mal, porque o assaltante não se apercebeu de uma criança no banco de trás do carro. Mas as coisas começam a complicar-se quando a polícia se apercebe de que as horas passam sem que a criança seja deixada em algum lugar - como seria de esperar num caso semelhante. E, depois, quando o assaltante começa a enviar cartas provocatórias à família da criança desaparecida. Trata-se, pois, de um caso bastante mais complexo que o de um simples assalto e Caffery terá de mobilizar todos os seus recursos para fazer frente a um adversário mais esperto que o de qualquer outro caso. E que talvez esteja onde menos se espera...
Mistério e tensão são dois dos elementos essenciais que definem este livro e algo que nunca falta nas obras desta autora. Com um ritmo compulsivo, gerado em parte pelos capítulos curtos e também pelas constantes dúvidas e surpresas que surgem ao longo da narrativa, a autora constrói uma história que vai crescendo em complexidade a cada reviravolta e que nunca perde força, à medida que Caffery descobre novas possibilidades, para depois as descartar, dando lugar a novas linhas de acção.
E se o enredo principal é, por si só, muitíssimo intrigante, há ainda uma série de elementos secundários a ter em conta. A história de Flea Marley, vinda na continuidade dos acontecimentos do livro anterior, serve não só para acrescentar aos acontecimentos principais a insinuação de uma história maior, mas também para abrir um maior desenvolvimento das personalidades tanto de Flea como do próprio Jack Caffery, detentor de uns quantos segredos. E há ainda a ligação deste com o misterioso Andarilho, ligação que funciona como uma ligação ao passado de Caffery e também como um grande mistério ainda por resolver.
Viciante, escrito de forma cativante, com muito mistério e uma boa dose de emoção (relacionada principalmente com a interacção com as famílias, mas também com os dilemas pessoais de Caffery e Flea), Perdida apresenta mais um muito interessante caso para um protagonista que, não sendo propriamente uma figura empática, marca pela sua complexidade. Intenso e envolvente, um livro muito bom.

Novidades Saída de Emergência para Novembro

NÃO HÁ CORAÇÃO QUE O AMOR NÃO TRANSFORME
Enquanto para o mundo o Natal era um dia de alegria e celebração, para Nathan Hurst era a lembrança do acontecimento que lhe destruiu a infância. Tudo muda na sua vida e no seu coração no dia em que uma tempestade de neve e um voo cancelado o levam ao encontro de uma jovem mãe e o seu filho. Aquilo que parece ser uma obra do acaso, poderá ser afinal, o encontro com a sua paz interior. Poderá Nathan descobrir que o Natal é, de facto, a época dos milagres?
"Uma história mágica. . . um livro redentor sobre a profundidade dos sentimentos…”
– New York Times
“Um livro que nos aquece o coração.”
– Booklist

Danny era um jovem popular e promissor. Howie era obeso, solitário e objecto de chacota. Os dois primos ficaram marcados na adolescência por uma brincadeira com consequências trágicas que mudou as suas vidas para sempre. Principalmente a da vítima, Howie. Vinte anos mais tarde, Howie pede ajuda a Danny para restaurar um castelo na Europa de Leste. Aparentemente os papéis inverteram-se: o popular Danny é agora um desempregado a fugir de cobradores a quem nunca devia ter pedido dinheiro. E Howie é um excêntrico milionário da alta finança que sonha criar o mais invulgar retiro alguma vez imaginado.
O castelo, agora em ruínas, é um lugar afundado numa herança de sangue e orgulho, invocando todos os elementos do gótico: um lago, catacumbas secretas, uma velha baronesa e uma torre misteriosamente intacta... Após a sua chegada, Danny começa a perceber que cometeu um erro terrível: aquele refúgio perfeito transforma-se no único lugar de onde se devia manter afastado para sobreviver. Num ambiente de total paranóia, a ruína torna-se no cenário ideal para a derradeira vingança de Howie. Desta vez, uma brincadeira com resultados ainda mais catastróficos.
Enquanto isso, um homem cujo nome desconhecemos encontra-se numa prisão de alta segurança por ter cometido um crime misterioso. Na sua cela, escreve uma história inesquecível: a de dois primos que se reencontram vinte anos mais tarde para restaurar um castelo em ruínas na Europa de Leste...

Ari, a última descendente de uma longa linhagem de bruxas, pressente que o mundo está a mudar… e está a mudar para pior. Há várias gerações que ela e outras como ela zelam pelos Lugares Antigos, assegurando-se de que o território se mantém seguro e os solos férteis.
No entanto, com a chegada da primeira Lua Cheia do Verão, as relações com os seus vizinhos azedam-se. Ari já não está segura. Há muito que o povo Fae ignora o que se passa no mundo dos mortais. Só o visitam, através das suas estradas misteriosas, quando desejam recrear-se. Agora esses caminhos desaparecem a pouco e pouco, deixando os clãs Fae isolados e desamparados. Onde sempre reinara a harmonia entre o universo espiritual e a natureza, soam agora avisos dissonantes nos ouvidos dos Fae e dos mortais. Quando se espalham nas povoações boatos sobre o começo de uma caça às bruxas, há quem se interrogue se os diversos presságios não serão notas diferentes de uma mesma cantiga. A única informação que têm para os nortear é uma alusão passageira aos chamados Pilares do Mundo…

"NICCOLO POLO, PAI DE MARCO, REVELARÁ FINALMENTE A HISTÓRIA QUE MANTEVE SECRETA DURANTE TODA A SUA VIDA:
A HISTÓRIA DE ALTAÏR, UM DOS MAIS EXTRAORDINÁRIOS ASSASSINOS DA IRMANDADE.”
Altaïr embarca numa missão formidável que o levará pela Terra Santa mostrando-lhe o verdadeiro significado do Credo dos Assassinos. De modo a provar o seu empenho, Altaïr terá de derrotar nove inimigos mortais, incluindo o líder dos Templários, Robert de Sablé. A história da vida de Altaïr é contada aqui pela primeira vez: uma viagem que vai mudar a história; a sua batalha interminável contra a conspiração dos Templários; uma herança que é tão trágica como chocante e a mais profunda traição de um velho amigo.

O incêndio que destruiu o negócio da família da jovem Reena Hale mudou a sua vida para sempre. Vizinhos e amigos ajudaram os Hale a reconstruir o que perderam, mas ao testemunhar a beleza destruidora do fogo, Reena decide dedicar-lhe a sua vida. Mas ela não é a única a sentir-se fascinada pelas chamas. Há mais alguém seduzido por esse poder, alguém obcecado não só em conquistar o fogo, mas em o usar para uma vingança brutal.
Quando a jovem realiza o sonho de se tornar bombeira, descobre que é o maior desafio que alguma vez viveu… com excepção da sua vida amorosa, claro. Até que conhece Bo Goodnight. Ele é diferente e, agora que encontrou Reena, não a quer deixar ir. Infelizmente há outro homem interessado nela. Alguém que a persegue com uma série de crimes horrendos. E enquanto Reena tenta localizar a origem de tanto ódio contra si, terá que enfrentar um inferno, mil vezes pior do que o fogo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Quarto Reich (Francesc Miralles)

Para Leo Vidal, aquele parece ser apenas mais um simples trabalho de investigação - ainda que invulgarmente bem pago. Mas as coisas são mais complexas do que parecem e a sua misteriosa empregadora não hesita em colocá-lo numa missão complicada. Da Suíça, ao Japão, depois até Espanha e culminando numa Ilha das Caraíbas, Leo persegue o mistério de uma fotografia que mostra Himmler com uma caixa misteriosa e do verdadeiro poder contido no interior dessa caixa.
Não é difícil adivinhar as linhas gerais deste livro. Centrado numa aventura em busca de um artefacto desconhecido, a história envolve facções com interesses divergentes, tentativas de assassinar o protagonista, um legado misterioso dos tempos da Alemanha nazi e uns quantos mistérios na vida pessoal de Leo. Fórmula relativamente comum em muitos outros livros deste género, mas que resulta, ainda assim, numa leitura cativante, de ritmo intenso e com alguns momentos bastante interessantes.
Mas há alguns problemas. Sendo uma narrativa onde a acção é quase constante, falta um pouco mais de desenvolvimento da história e personalidade individuais das personagens mais importantes, deixando, assim, a impressão de que muito acontece demasiado depressa e deixando alguns elementos por explicar. Além disso, o protagonista surge como uma figura algo desorientada no centro de um mistério que nunca compreende completamente. As explicações apresentadas parecem, por vezes, demasiado superficiais e até a revelação final acaba por ser feita de forma algo apressada.
Fica, por isso, deste livro a impressão de uma ideia interessante e que, tendo em conta o ritmo cativante do enredo, poderia ter sido muito mais se houvesse um maior desenvolvimento de alguns aspectos. Tem os seus momentos interessantes, é certo... mas falta qualquer coisa.

Novidade Sextante

Em 1936, os Schwart, família imigrada, escapam da Alemanha nazi e instalam-se numa pequena cidade do estado de Nova Iorque. O pai, antigo professor de liceu, vê-se obrigado a aceitar o único trabalho disponível: coveiro e guarda de um cemitério. Os prejuízos e a fragilidade emocional da família conduzirão a uma terrível tragédia, e Rebecca, a filha do coveiro, começa então a sua surpreendente peregrinação pela América, uma odisseia arriscada repleta de erotismo e audácia, inventividade e engenho; no final, um triunfo agridoce, muito «americano».
Uma obra-prima simultaneamente emocionante e intelectualmente provocadora.

Joyce Carol Oates nasceu em 1938 nos Estados Unidos. Publicou o seu primeiro romance em 1963 e ganhou o National Book Award em 1970 com o romance Eles. É professora na Universidade de Princeton e já publicou uma obra vasta com cerca de trinta romances, mas também ensaios, contos, peças de teatro, poesia. A sua obra é traduzida em várias línguas e elogiada pela crítica internacional.
Joyce Carol Oates é, desde 1978, membro da Academia Americana de Artes e Letras.
A Sextante Editora publicou anteriormente o seu romance Rapariga negra, rapariga branca.